segunda-feira, outubro 27, 2008
Não, não era nada fácil ser poeta naqueles dias de Ditadura. Mais difícil ainda ser poeta e brasileiro, nos versos de protesto de Affonso Romano.
Sobre certas dificuldades atuais
Não está nada fácil ser poeta nestes dias.
Não falo das vendas de livros de poesia
- que se poesia é isso que aí está,
o público tem razão
- nem eu mesmo compraria.
De um lado,
um bando de narcisos desunidos,
ressentidos,
com vocação noturna de suicidas,
de outro,
os generais com seus suplícios
pensando que comandam os industriais,
que, comandados,
comandam os generais
de que precisam.
Não,
não está nada fácil ser poeta nestes dias.
Seja
palstino,
libanês,
argentino,
chileno,
sul-africano,
ou irlandês,
não está nada fácil ser poeta nestes dias.
Sem dúvidas, é mais fácil e inútil
ser poeta americano e francês,
com muito sanduíche e vinhos
e muito prazer burguês.
Não,
não é nada fácil ser poeta índio nestes dias.
Tão difícil quanto ser poeta polonês e afegão.
Não, não é nada fácil
ser um poeta, dividido, alemão.
Na Rússia, talvez haja poeta proletário
contente com o recalcado medo
e seu profissional salário.
De qualquer jeito
nunca foi fácil ser poeta
num regime autoritário.
Não está nada fácil ser poeta nestes dias.
Não está nada fácil ser poeta noite e dia.
Não está nada fácil ser poeta da alegria.
Não,
não está nada fácil ser poeta
e brasileiro
nestes dias.
Affonso Romano de Sant'Anna
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