Assombramento
Meia-noite amarela de sexta-feira,
com lua cheia, na meia quaresma,
no pequeno arraial.
Tinidos secos de matracas,
gente cantando orações tétricas
em frente das cruzes das encruzilhadas,
pedindo ao povo que está dormindo
rezas para as almas do purgatório
que elas estão encomendando.
E logo atrás vêm vultos brancos,
almas penadas sussurrando,
com ossos de defuntos alumiando nas frias mãos brancas.
Mulas-sem-cabeça galopam doidas
pelas estradas,
queimando o capim com as chispas dos cascos.
Há lobizomens uivando,
na velha igreja tábias rangendo,
caixões pretos junto das cruzes,
mortalhas largadas diante das portas,
uma mulher longa sentando nos telhados,
e o Pitorro, assentado no morro,
de chapéu na cabeça, cachimbando.
Por entre as sepulturas,
o fogo-fátuo de fósforo escorre:
é um grande raio da luz amarela.
que desceu, por engano, ao cemitério,
e lá vai fugindo,
assombrado, amedrontado,
sem tempo de subir.
Latiram ao longe:
foi a noite soltando os seus carrochos
"Corta-Vento", "Rompe-Ferro", "Acorda-a-Tempo",
para o socorrer...
Guimarães Rosa
(1908-1967)
Mais sobre Guimarães Rosa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa
sábado, outubro 18, 2008
Meia-noite amarela de sexta-feira, com lua-cheia, na meia quaresma, no pequeno arraial. Latiram ao longe: foi a noite soltando os seus cachorros.
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