terça-feira, outubro 14, 2008
Eu vou por onde vou, vou pelas esquinas da treva, Copacabana acabou. Em versos, Paulo Mendes Campos caminha pelos encantos e mazelas do seu bairro.
Copacabana 1945
Ele é que é cheio, eu sou oco.
I
As fichas finais do jogo
foram recolhidas: fecha-se
o cassino; abre-se em fogo
o coração que devora.
Vejo em vez de eternidade
no relógio minha hora.
E se quiser vejo a tua.
Às cinco tinhas encontro
num cotovelo de rua.
As cigarras do verão
tiniam quando sugavas
teu uísque com sifão.
Às onze no Wunder Bar
por meio acaso encontravas
a mulher que anda no ar.
Às três no Copacabana
uma torpeza uterina
pestana contra pestana.
Às quatro e pouco saías,
comias um boi às cinco,
às seis e meia morrias.
Às duas ressuscitavas,
às cinco tinhas encontro,
às sete continuavas.
II
A mensagem abortada
de Copacabana perde-se
na viração: não é nada.
Morre um homem na polícia.
Tantos casos. Não é nada:
os jornais dão a notícia.
Uma criança que come
restos na lata de lixo
não é nada: mata a fome.
Não é nada. A favela
pega fogo. Não é nada:
faz-se um samba para ela.
Um moço mata a família
e se mata. Não é nada:
poupa o drama à tua filha.
Uma menina estuprada.
Uma virgem cai do céu.
Nada. Copacabanada.
III
Dava um doce calafrio
no esmalte azul recortado
subito à tarde um navio.
O mistério transparente
do navio que passava
é ter tornado presente:
por fantasia do fado
naquele tempo ao passar
já parecia passado.
Quando ele achava o caminho
na ponta do Arpoador
eu ficava mais sozinho.
Pois um homem-gaivota
segue um barco, mesmo quando
não lhe conhece a derrota.
Latitude, longitude
compasso de meu exílio...
Um homem sempre se ilude.
E quando o mar sem navio
ficava, eu olhava para trás
e me embrulhava no Rio.
IV
Anoitecia em cristais,
em paz de pluma tornando
à dor de Minas Gerais.
A dor que dá mas devora
como um blues comercial
no carro, quando é a hora.
E quando à janela o cone
de sombra me abismava
eu ligava o telefone.
Esse aparelho surdia
da ramagem de meus brônquios,
negra liana, e subia
em tropismos machucados,
pelas calhas do silêncio,
pelos terraços pasmados,
pela traquéia das áreas,
como tromba de elefante
ou aranhas solitárias
articuladas ao fio,
como língua de serpente
a vasculhar o vazio,
a buscar qualquer canal
de anou (ou fosse miragem!)
no deserto vertical.
V
Às vezes chegava a lua
no despudor deslumbrante
da mulher que chega nua.
A mulher transvertebrada
entornando-se amorosa
nas vagas da madrugada.
Algumas foram no peito
do casto lençol do céu
para o cosmo do teu leito.
VI
Copacabana, golfão
sexual: soma dois corpos
mas divide solidão.
VII
Pelas piscinas suspensas,
pelas gargantas dos galos,
pelas navalhas intensas,
pelas trades comovidas,
pelos tamborins noturnos,
pelas pensões abatidas,
eu vou por onde vou; vou
pelas esquinas da treva:
Copacabana acabou.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991 )
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