quarta-feira, outubro 22, 2008

Meu poema é um tumulto, basta apurar o ouvido. A fala que nele fala outras vozes arrasta em delírio, afirma com convicção Ferreira Gullar.


Muitas vozes


Meu poema
é um tumulto:
a fala
que nele fala
outras vozes
arrasta em alarido.

(estamos todos nós
cheios de vozes
que o mais das vezes
mal cabem em nossa voz:

se dizes pêra
acende-se um clarão
um rastilho
de tardes e açúcares
ou
se azul disseres
pode ser que se agite
o Egeu
em tuas glândulas)

A água que ouviste
num soneto de Rilke
os ínfimos
rumores de capim
o sabor
do hortelã
(essa alegria)

a boca fria
da moça
o maruim
na poça
a hemorragia
da manhã

tudo isso em ti
se deposita
e cala.
Até que de repente
um susto
ou uma ventania
(que o poema dispara)
chama
esse fósseis à fala

Meu poema
é um tumulto, um alarido:
basta apurar o ouvido.

Ferreira Gullar

Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar

Um comentário:

Anônimo disse...

que coisa maravilhosa!
esse poema do gullaar sem dúvida é o mais impresisonante dele!
=)