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sábado, dezembro 05, 2015
O amor em tercetos, por Thiago de Mello.
Tercetos de amor
§ Só agora aprendi
que amar é ter e reter.
Foi quando te vi.
§ Vi quando a rosa se abriu.
Como a eternidade
pode ser tão fugaz?
§ Não sei quando é o mar,
ou se é o sol dos teus cabelos.
Tudo são funduras.
§ Na entressombra, o sabre
se estira na relva morna.
O nenúfar se abre.
§ Brilha um dorso: és tu.
Encontro no teu ventre
a explicação da luz.
Thiago de Mello
(1926)
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quinta-feira, setembro 17, 2015
Entre ser, ter e amar, o testemunho da vida na poesia de Thiago de Mello. Ele sente que sofredor grandioso só mesmo o coração, pois nele cabe Deus.
O testemunho
I - Ser
Num campo de silêncio,
onde pastam manhãs,
estou - sempre que sou.
Quis-me o campo por senda:
em meu lúcido passo,
entanto, lá não vou.
Atendo a um chamamento
feroz, tímido e brando:
são vozes maduras.
Toda recusa é vã:
asas me erguem, e sou.
Ser é resposta. E dói.
É um campo de silêncio:
oh! palpitante berço
e pasto roçagante
de infinitas manhãs
que se cantam nascidas
para a noite do mundo.
De silêncio, e contudo
ali se escuta a dor
crescer, fingida em relva.
Essa relva me sabe.
O coração é a boca
que se crispa a seu travo.
Pasto dor e silêncio
no campo onde sou.
II - Ter
Dor sofrida é salário.
O amargo que mastigo
transmuda-se na moeda
com que me cumpro e compro
o segredo fecundo
adormecido há invernos
na boca das auroras.
Para erguê-las ao campo
de silêncio onde pastam
- e de onde me chamaram -,
antes entrego as mãos
às lâminas de brasa
que me buscam, ferozes:
matutinos orvalhos,
serenos de idas tardes,
sepultos semivivos.
Com essa dor se cunha
a moeda em cuja efígie
vê-se o perfil dos anjos.
Meu salário é meu júbilo:
ao regressar-me, esplendem
alvíssaras profundas
no momento em que entrego
ao mundo - envolta em cânticos -
humilde sempremanhã.
III - Amar
No campo de silêncio
onde, existindo, sou,
não me retardo. Tardo
a ser, e quando sou
- sou pouco. O muito é a dor.
As têmporas estalam.
O tempo que ficou
e, aquém de mim, me espera
reclama o existir turvo.
Então, perdido, torno,
a caminho transbordo,
transvio-me de mim:
quando chego, sou pouco.
Crestam-me a vida vã
saudades de ter sido.
A dor é eco longínquo
de grito soterrado.
O ser é estrela extinta,
lua de treva em céu
já desabado, pedra
lavada pela chuva.
Permaneço, contudo,
e comigo a amargura,
quando o amor é o caminho
que em mim se faz e faz-me
correr ao campo branco
onde alvoradas sonham,
onde me espera o pasto
onde a fome fareja
a dor antiga, eterna:
dor esplêndida e dura
- dor de ser e de amar.
Porque de amar, perdura.
E trago dessa viagem
uma treva mais doce
para a noite do mundo.
Às vezes é uma aurora
que me aclara também:
e vejo em amargor
a face que me coube,
a face dessa noite
noite tão noite e fria
que é minha e de meu mundo,
ai, mundo meu não mundo,
perdido, em pranto, e pouco.
O muito em mim, e grande,
e sofredor grandioso
- só mesmo o coração:
pois nele cabe Deus.
Thiago de Mello
(1926)
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sexta-feira, fevereiro 07, 2014
Em seu poema perto do fim, Thiago de Mello diz que a morte é indolor. E que o que dói nela é o nada que a vida faz do amor.
Poema perto do fim
A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
Thiago de Mello
(1926)
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A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
Thiago de Mello
(1926)
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segunda-feira, agosto 12, 2013
Thiago de Mello não duvida do amor. Duvida dele mesmo, do jeito mais imperfeito que ainda tem de amar.
Amor mais que imperfeito
Não do amor. De mim duvido.
Do jeito mais que imperfeito
que ainda tenho de amar.
Com frequência reconheço
a minha mão escondida
dentro da mão que recebe
a rosa de amor que dou.
Espiando o meu próprio olhar,
escondido atrás estou
dos olhos com que me vês.
Comigo mesmo reparto
o que pretende ser dádiva,
mas de mim não se desprende.
Por mais que me prolongue
no ser que me reparte,
de repente me sinto
o dono da alegria
que estremece a pele
e faz nascer luas
no corpo que abraço.
Não do amor. De mim duvido
quando no centro mais claro
da ternura que te invento
engasto um gosto de preço.
Mesmo sabendo que o prêmio
do amor é apenas amar.
Thiago de Mello
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quinta-feira, maio 09, 2013
Quando acariciou o dorso dela, o coração de Thiago de Mello cresceu e cantou como um menino. Ele estava deslumbrado pelo brilho estrelado dos olhos de seu amor.
Flor de açucena
Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos.
Thiago de Mello
(1921)
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quinta-feira, outubro 04, 2012
Para Thiago de Mello, a eternidade não depende de nós. E tudo que o homem faz é perecível, a começar pelo próprio homem.
O tempo
A eternidade não depende de nós.
Precários seres, manchados de limites,
incapazes de dar vida
a qualquer coisa que dure para sempre,
já nasceram soletrando o Never More.
Tudo o que o homem faz é perecível.
A começar pelo próprio homem,
ração diária predileta
do tempo, desde o instante
em que o tempo acompanhou
a expansão de uma galáxia:
um pássaro invisível,
as asas cheias de auroras,
de cujo bico escorria
o silêncio do arco-íris.
Thiago de Mello
(1921)
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terça-feira, agosto 21, 2012
Ninhuém habita Thiago de Mello. A não ser o milagre da matéria e o mistério da memória.
Ninguém me habita
Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa merecer na outrora.
Ninguém me habita. Sozinho,
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.
Thiago de Mello
(1921)
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domingo, junho 17, 2012
Thiago de Mello não aprende a lição de conviver no mundo feroz dos homens. Frente ao poder que se alimenta da fome dos humilhados, ele não se submete.
Não aprendo a lição
A lição de conviver,
senão de sobreviver
no mundo feroz dos homens,
me ensina que não convém
permitir que o tempo injusto
e a vida iníqua me impeçam
de dormir tranquilamente.
Pois sucede que não durmo.
Frente à verdade ferida
pelos guardiães da injustiça,
ao escárnio da opulência
e o poderio dourado
cujo esplendor se alimenta
da fome dos humilhados,
o melhor é acostumar-se,
o mundo foi sempre assim.
Contudo, não me acostumo.
A lição persiste sábia:
convém cabeça, cuidado,
que as engrenagens esmagam
o sonho que não se submete.
E que a razão prevaleça
vigilante e não conceda
espaços para a emoção.
Perante a vida ofendida
não vale a indignação.
Complexas são as causas
do desamparo do povo.
Mas não aprendo a lição.
Concedo que me comovo.
Thiago de Mello
(1921)
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quinta-feira, maio 10, 2012
Chegou a notícia de que a manhã se deu ao povo. E na manhã geral, com a alegria de viver, Thiago de Mello viu o povo inteiro cantando na praça.
Notícia da manhã
Eu sei que todos a viram
e jamais a esquecerão.
Mas é possível que alguém,
denso de noite, estivesse
profundamente dormindo.
E aos dormidos - e também
aos que estavam muito longe
e não puderam chegar,
aos que estavam perto e perto
permaneceram sem vê-la;
aos moribundos nos catres,
e aos cegos de coração -
a todos que não a viram
contarei desta manhã
- manhã é céu derramado
é cristal de claridão -
que reinou, de leste a oeste,
de morro a mar - na cidade.
Pois dentro desta manhã
vou caminhando. E me vou
tão feliz como a criança
que me leva pela mão.
Não tenho nem faço rumo:
vou no rumo da manhã,
levado pelo menino
(ele conhece caminhos
e mundos melhor do que eu).
Amorosa e transparente,
esta é a sagrada manhã
que o céu inteiro derrama
sobre os campos, sobre as casas,
sobre os homens, sobre o mar.
Sua doce claridade
já se espalhou mansamente
por sobre todas as dores.
Já lavou a cidade. Agora,
vai lavando corações
(não o do menino; o meu,
que é cheio de escuridões).
Por verdadeira, a manhã
vai chamando outras manhãs
sempre radiosas que existem
(e às vezes tarde despontam
ou não despontam jamais)
dentro dos homens, das coisas:
na roupa estendida a corda,
nos navios chegando,
na torre das igrejas,
nos pregões dos peixeiros,
na serra circular dos operários,
nos olhos da moça que passa, tão bonitos!
A manhã está no chão, está nas palmeiras,
está no quintal dos subúrbios,
está nas avenidas centrais,
está nos terraços dos arranha-ceús.
Há muita, muita manhã
no menino; e um pouco em mim.)
A beleza mensageira
desta radiosa manhã
não se resguardou no céu
nem ficou apenas no espaço,
feita de sol e de vento,
sobrepairando a cidade.
Não: a manhã se deu ao povo.
A manhã é geral.
As árvores da rua,
a réstia do mar,
as janelas abertas,
o pão esquecido no degrau,
as mulheres voltando da feira,
os vestidos coloridos,
o casal de velhos rindo na calçada,
o homem que passa com cara de sono,
a provisão de hortaliças,
o negro na bicicleta.
o barulho do bonde,
os passarinhos namorando
- ah! pois todas essas coisas
que minha ternura encontra
num pedacinho de rua
dão eterno testemunho
da amada manhã que avança
e de passagem derrama
aqui uma alegria,
ali entrega uma frase
(como o dia está bonito!)
à mulher que abre a janela,
além deixa uma esperança,
mais além uma coragem,
e além, aqui e ali
pelo campo e pela serra,
aos mendigos e aos sovinas,
aos marinheiros, aos tímidos,
aos desgarrados, aos prósperos,
aos solitários, aos mansos,
às velhas virgens, às puras
e às doidivanas também,
a manhã vai derramando,
uma alegria de viver,
vai derramando um perdão,
vai derramando uma vontade de cantar.
E de repente a manhã
- manhã é céu derramado,
é claridão, claridão -
foi transformando a cidade
numa praça imensa praça,
e dentro da praça o povo
o povo inteiro cantando,
dentro do povo o menino
me levando pela mão.
Thiago de Mello
(1921)
Eu sei que todos a viram
e jamais a esquecerão.
Mas é possível que alguém,
denso de noite, estivesse
profundamente dormindo.
E aos dormidos - e também
aos que estavam muito longe
e não puderam chegar,
aos que estavam perto e perto
permaneceram sem vê-la;
aos moribundos nos catres,
e aos cegos de coração -
a todos que não a viram
contarei desta manhã
- manhã é céu derramado
é cristal de claridão -
que reinou, de leste a oeste,
de morro a mar - na cidade.
Pois dentro desta manhã
vou caminhando. E me vou
tão feliz como a criança
que me leva pela mão.
Não tenho nem faço rumo:
vou no rumo da manhã,
levado pelo menino
(ele conhece caminhos
e mundos melhor do que eu).
Amorosa e transparente,
esta é a sagrada manhã
que o céu inteiro derrama
sobre os campos, sobre as casas,
sobre os homens, sobre o mar.
Sua doce claridade
já se espalhou mansamente
por sobre todas as dores.
Já lavou a cidade. Agora,
vai lavando corações
(não o do menino; o meu,
que é cheio de escuridões).
Por verdadeira, a manhã
vai chamando outras manhãs
sempre radiosas que existem
(e às vezes tarde despontam
ou não despontam jamais)
dentro dos homens, das coisas:
na roupa estendida a corda,
nos navios chegando,
na torre das igrejas,
nos pregões dos peixeiros,
na serra circular dos operários,
nos olhos da moça que passa, tão bonitos!
A manhã está no chão, está nas palmeiras,
está no quintal dos subúrbios,
está nas avenidas centrais,
está nos terraços dos arranha-ceús.
Há muita, muita manhã
no menino; e um pouco em mim.)
A beleza mensageira
desta radiosa manhã
não se resguardou no céu
nem ficou apenas no espaço,
feita de sol e de vento,
sobrepairando a cidade.
Não: a manhã se deu ao povo.
A manhã é geral.
As árvores da rua,
a réstia do mar,
as janelas abertas,
o pão esquecido no degrau,
as mulheres voltando da feira,
os vestidos coloridos,
o casal de velhos rindo na calçada,
o homem que passa com cara de sono,
a provisão de hortaliças,
o negro na bicicleta.
o barulho do bonde,
os passarinhos namorando
- ah! pois todas essas coisas
que minha ternura encontra
num pedacinho de rua
dão eterno testemunho
da amada manhã que avança
e de passagem derrama
aqui uma alegria,
ali entrega uma frase
(como o dia está bonito!)
à mulher que abre a janela,
além deixa uma esperança,
mais além uma coragem,
e além, aqui e ali
pelo campo e pela serra,
aos mendigos e aos sovinas,
aos marinheiros, aos tímidos,
aos desgarrados, aos prósperos,
aos solitários, aos mansos,
às velhas virgens, às puras
e às doidivanas também,
a manhã vai derramando,
uma alegria de viver,
vai derramando um perdão,
vai derramando uma vontade de cantar.
E de repente a manhã
- manhã é céu derramado,
é claridão, claridão -
foi transformando a cidade
numa praça imensa praça,
e dentro da praça o povo
o povo inteiro cantando,
dentro do povo o menino
me levando pela mão.
Thiago de Mello
(1921)
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quarta-feira, janeiro 18, 2012
Em versos, Thiago de Mello ensina que cidadania é um dever do povo. Porque só é cidadão quem conquista o seu lugar na luta do sonho de uma nação.
Cidadania
Cidadania é um dever
do povo.
Só é cidadão
quem conquista o seu lugar
na perseverante luta
do sonho de uma nação.
É também obrigação:
a de ajudar a construir
a claridão na consciência
de quem merece o poder.
Força gloriosa que faz
um homem ser para outro homem,
caminho do mesmo chão,
luz solidária e canção.
Thiago de Mello
(1926)
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terça-feira, outubro 18, 2011
Em seu poema perto do fim, Thiago de Mello diz que a morte é indolor. E que o que dói nela é o nada que a vida faz do amor.
Poema perto do fim
A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
Thiago de Mello
(1926)
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terça-feira, julho 12, 2011
O que não fiz ficou vivo pelo avesso. O que não tive pertence à dor do meu canto, confessa Thiago de Mello na boca da noite.
A boca da noite
O que não fiz ficou vivo
pelo avesso. O que não tive
pertence à dor do meu canto.
A estrela que mais amei
acende o meu desencanto.
Vinagre? Sombra de vinho?
De noite, a vida engoliu
(é doce a boca da noite)
as dores do meu caminho.
O meu voo se apazigua
quando a tormenta me abraça.
O que tenho se enriquece
de tudo que não retive.
Diamante? Flor de carvão.
Thiago de Mello
(1926)
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quinta-feira, março 24, 2011
Thiago de Mello cresceu menino com Deus, mas dele se perdeu. E no chão triste da sua alma, restou uma mágoa que sabe a saudade.
Saudade de Deus
Cresci menino com Deus.
Minha mãe acho que foi
quem Deus pôs dentro de mim.
Dentro de mim, mas não meu.
Não foi um amigo de infância.
Não me deixava à vontade
(nem nos banhos escondidos
na fundura do meu rio).
Não me deixava ser eu,
ser livre: sua presença
- uma lâmina suspensa
constante na minha vida -
me dava um grande temor.
Não me envergonho em dizer
que nunca lhe tive amor.
Por isso (suponho) foi
que um dia acordei sem Deus
(um dia quando os meus olhos
já conheciam o assombro).
Deus se perdeu. Não me achei
sozinho, me vi comigo.
(Talvez por isso eu carregue
esse ar de criança perdida.)
Contudo, dele restou
no chão triste da minha alma,
entre doce e dolorida,
mágoa que sabe a saudade.
Thiago de Mello
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Cresci menino com Deus.
Minha mãe acho que foi
quem Deus pôs dentro de mim.
Dentro de mim, mas não meu.
Não foi um amigo de infância.
Não me deixava à vontade
(nem nos banhos escondidos
na fundura do meu rio).
Não me deixava ser eu,
ser livre: sua presença
- uma lâmina suspensa
constante na minha vida -
me dava um grande temor.
Não me envergonho em dizer
que nunca lhe tive amor.
Por isso (suponho) foi
que um dia acordei sem Deus
(um dia quando os meus olhos
já conheciam o assombro).
Deus se perdeu. Não me achei
sozinho, me vi comigo.
(Talvez por isso eu carregue
esse ar de criança perdida.)
Contudo, dele restou
no chão triste da minha alma,
entre doce e dolorida,
mágoa que sabe a saudade.
Thiago de Mello
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quarta-feira, janeiro 26, 2011
Mesmo sabendo que o prêmio do amor é apenas amar, Thiago de Mello não duvida do amor. Duvida dele mesmo.
Amor mais que imperfeito
Não do amor. De mim duvido.
Do jeito mais que imperfeito
que ainda tenho de amar.
Com frequência reconheço
a minha mão escondida
dentro da mão que recebe
a rosa de amor que dou.
Espiando o meu próprio olhar,
escondido atrás estou
dos olhos com que me vês.
Comigo mesmo reparto
o que pretende ser dádiva,
mas de mim não se desprende.
Por mais que me prolongue
no ser que me repete,
de repente me sinto
o dono da alegria
que estremece a pele
e faz nascer luas
no corpo que abraço.
Não do amor. De mim duvido
quando no centro mais claro
da ternura que te invento
engasto um gosto de preço.
Mesmo sabendo que o prêmio
do amor é apenas amar.
Thiago de Mello
(1926)
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sexta-feira, dezembro 10, 2010
Em sua cantiga, Thiago de Mello entrega ao mundo o dom da sabedoria que nasce do coração. Porque é de amor e de infância que o mundo tem precisão.
Cantiga quase de roda
Na roda da vida
lá vai o menino
trazendo contente
um canto no peito
na fronte uma estrela.
Mal chega e descobre
que o mundo é feroz
e o tempo é de sombras.
Os homens caminham
calados, sozinhos,
com medo de amar.
De pena, o menino
começa a cantar.
(Cantigas afastam
as coisas escuras).
Portanto ele sabe
que os homens, embora
se façam de fortes,
se façam de grandes,
no fundo carecem
de aurora e de infância.
Na roda do mundo,
ao lado dos homens,
lá vai o menino
rodando e cantando
seu canto de amor.
Um canto que faça
o mundo mais manso,
cantigas que tornem
a vida mais limpa,
um canto que faça
os homens mais crianças.
O menino entrega ao mundo
o dom da sabedoria
que nasce do coração.
Porque é do amor e da infância
que o mundo tem precisão.
Thiago de Mello
(1926)
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sexta-feira, outubro 01, 2010
Escrito há muito tempo, este poema de Thiago de Mello é uma crítica contundente ao Brasil. E também uma mensagem de esperança em nosso povo.
Diário de um brasileiro
O brasileiro convive bem com o escândalo moral.
Os ladrões infestam os salões de luxo,
os Bancos estouram, os banqueiros
são cumprimentados com reverência,
o Presidente do Congresso chama o senador
de bandido, sim senhor, vossa excelência.
O Presidente diz pela televisão
que "é preciso acabar com a roubalheira
nos dinheiros públicos".
As pessoas das cidades grandes
vivem amedrontadas, qualquer
transeunte pode ser um assaltante.
As meninas cheiram cola. Depois
vão dar o que têm de mais precioso
ao preço de um soco na cara desdentada.
O brasileiro convive com o escândalo
como se fosse o seu pão de cada dia,
com uma indiferença letal.
Como se dormir na casa com um rinoceronte,
mas rinoceronte mesmo,
fosse a coisa mais natural do mundo,
chegando a cheirar a camélias.
O povo, um dia.
Do povo vai depender
a vida que vai viver,
quando um dia merecer.
Vai doer, vai aprender.
Thiago de Mello
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quinta-feira, agosto 19, 2010
O compromisso de Thiago de Mello é com a vida do homem, a quem trata de servir com a arte do poema. E que Deus o livre de pôr em seu verso uma invenção.
Canto do meu canto
Escrevi no chão do outrora
e agora me reconheço:
pelas minhas cercanias
passeio, mal me freqüento.
Mas pelo pouco que sei
de mim, de tudo que fiz,
posso me ter por contente,
cheguei a servir à vida,
me valendo das palavras.
Mas dito seja, de uma vez por todas,
que nada faço por literatura,
que nada tenho a ver com a história,
mesmo concisa, das letras brasileiras.
Meu compromisso é com a vida do homem,
a quem trato de servir
com a arte do poema. Sei que a poesia
é um dom, nasceu comigo.
Assim trabalho o meu verso,
com buril, plaina, sintaxe.
Não basta ser bom de ofício.
Sem amor não se faz arte.
Trabalho que nem um mouro,
estou sempre começando.
Tudo dou, de ombros e braços,
e muito de coração,
na sombra da antemanhã,
empurrando o batelão
para o destino das águas.
(O barco vai no banzeiro,
meu destino no porão.)
Nada criei de novo.
Nada acrescentei às formas
tradicionais do verso.
Quem sou eu para criar coisas novas,
pôr no meu verso, Deus me livre, uma
invenção.
Thiago de Mello
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terça-feira, julho 20, 2010
A vida sempre foi boa comigo. Quando soube que o meu coração estava carregado de sombras, abriu uma janela no meu peito.
A janela encantada
A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimentava de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ela possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.
Thiago de Mello
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sexta-feira, junho 18, 2010
Thiago de Mello não se indaga, muito menos se responde, sobre a vida depois da vida. No mundo dos homens, ele quer a alegria do amor em seu coração.
Sagrada alegria
Não me indago, muito menos
me respondo, sobre a vida
(se existe) depois da vida.
Não invejo (me comove)
a fé que funda a serena
certeza da eternidade.
Do que suceda no reino
que se inaugura na morte,
não me concerne. No mundo
dos homens, meu lindo chão,
quero ser capaz de amar,
mas não sonho galardão
que não seja o da alegria
do amor no meu coração.
Thiago de Mello
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quinta-feira, maio 13, 2010
Thiago de Mello teve um chão todo feito de certezas e um caminho umedecido de dúvidas. Agora, cresce nele a certeza de que vale a pena o amor.
As ensinanças da dúvida
Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.
Agora (o tempo é que o fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.
Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.
Thiago de Mello
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