sexta-feira, outubro 03, 2008

Ó minha amada, o sentimento é cego, vês? Colaboram na saudade a aranha, patas de um gato e as asas de um morcego, diz Pedro Kilkerry no silêncio.

É o silêncio

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz n'algum volume sobre a mesa…
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas… Comovido

Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,

Asa que o ouvido anima…
E a câmara muda. E a sala muda, muda…
Àfonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda

Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima…

E abro a janela. Ainda a lua esfria
últimas notas trêmulas… O dia
Tarde florescerá pela montanha.
E ó minha amada, o sentimento é cego…
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.


Pedro Kilkerry
(1855-1917)

Mais sobre Pedro Kilkerry em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Kilkerry

Nenhum comentário: