terça-feira, outubro 21, 2008
João Cabral de Melo conta como o mar e os rios do Recife são touros de índole distinta. O mar estoura no arrecife, o rio é um touro que rumina.
As águas do Recife
1
O mar e os rios do Recife
são touros de índole distinta:
o mar estoura no arrecife,
o rio é um touro que rumina.
Quando o touro mar bate forte
nele há o medo de não ficar,
de ter saído, de estar fora,
de quem se recusa a ser mar.
E há no outro touro, o rio,
entre mangues, remansamente,
mil manhas para não partir:
anda e desanda, ainda, sempre.
Mas, se são distintos na ação,
mesma é a razão de seu atuar:
tentam continuar a ser da água
de aquém do arrecife, antemar.
2
Eis por que dentro do Recife
as duas águas vivem lutando,
jogando de queda-de-braço
entre os muros dos cais urbanos.
A que é mar porque, obrigada,
saltou o quebra-mar do porto,
vem, cada maré, desafiar
a água ainda rio para o jogo.
A água que remonta e a que desce
travam então uma queda de braço:
aplicadamente e em silêncio,
equilibradas por espaços.
Um certo instante estão imóveis,
nem maré alta nem baixa, ao par;
até que uma derruba e vence,
e, ao vencer, perder: se exilar.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
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Um comentário:
sempre é uma honra ler um poema do grande João Cabral de Melo Neto...
viva pernambuco
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