sexta-feira, novembro 07, 2008

Há que tempo não te vejo, Recife. Pena que um dos mais lindos poemas de Manuel Bandeira tenha a mácula do reacionarismo, aliás incomum em sua obra.


Recife


Há que tempo não te vejo!
Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madrasta,
Recife.

Mas não houve dia em que não te sentisse dentro de mim:
Nos ossos, nos olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.

Não como és hoje,
Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeira nas calçadas
(Continuavas província,
Recife.)

Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas,
Sem Arrais, e com arroz,
Muito arroz,
De água e sal,
Recife.

Um Recife ainda do tempo em que o meu avô materno
Alforriava espontaneamente
A moça preta Tomásia, sua escrava,
Que depois foi a nossa cozinheira
Até morrer,
Recife.

Ainda existirá a velha casa senhorial do Monteiro?
Meu sonho era acabar morando e morrendo
Na velha casa do Monteiro.
Já que não pode ser,
Quero, na hora da morte, estar lúcido
Para te mandar a ti o meu último pensamento,
Recife.

Ah Recife, Recife, non possidebis ossa mea!
Nem os ossos nem o busto
Que me adianta um busto depois de eu morto?
Depois de morto não me interesserá senão, se possível,
Um cantinho no céu,
"Se o não sonharam", como disse o meu querido João de Deus,
Recife.

Manuel Bandeira
(1886-1968)

Mais sobre Manuel Bandeira em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira

Um comentário:

Anônimo disse...

..a interpretação do poema do Manuel Bandeira nos remete muito mais a um sentimento nostálgico de um tempo vivido do que propriamente expressar um reacionarismo, pelo fato do autor citar "Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas,".
Apenas uma constatação do que foi vivido.
Simples assim. Poético sempre.
Apenas um ponto de vista diferente do editor.

Luíza.