segunda-feira, novembro 10, 2008

Quero morrer de noite. E quando todos souberem que nunca mais volverei, haverá um segundo de compreensão absoluta, diz Schimdt em seu lindo poema.


A partida


Quero morrer de noite.
As janelas abertas
Os olhos a fitar a noite infinda

Quero morrer de noite.
Irei me separando aos poucos
Me desligando devagar.
A luz das velas envolverá meu rosto lívido.

Quero morrer de noite.
As janelas abertas.
Tuas mãos chegarão aos meus lábios
Um pouco de água
E os meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos.
Os que virão, os que ainda não conheço.
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite.
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará um grande dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer de noite.
As janelas abertas
Minha alma sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais volverei
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.


Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)

Mais sobre Augusto Frederico Schmidt em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_Frederico_Schmidt

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