sábado, novembro 22, 2008

Chega o tempo em que não adianta morrer e a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação. Para Drummond, é quando os ombros suportam o mundo.


Os ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada espera de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais do que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentros dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1997)


Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

Um comentário:

... disse...

Este blog é de uma servidão poética assustadora!
Parabéns pela iniciativa!
Muito obrigado por me oportunizar a leitura de tão belos poemas. Como faço para falar com José Antônio Leão Ramos?

Cristiano Siqueira

Meu e-mail:
siqueiracristiano@hotmail.com

Blog de meu livro:
www.poetacristianosiqueira.blogspot.com