terça-feira, agosto 26, 2008

A dialética de Murilo Mendes nos ensina que tudo vive em transformação. E que tudo marcha para a arquitetura perfeita: a aurora é coletiva.


Poema dialético


1

Todas as formas ainda se encontram em esboço,
Tudo vive em transformação:
Mas o universo marcha
Para a arquitetura perfeita.

Retiremos das árvores profanas
A vasta lira antiga:
Sua secreta música
Pertence ao ouvido e ao coração de todos.
Cada novo poeta que nasce
Acrescenta-lhe uma corda.

2

Uma vida iniciada há mil anos atrás
Pode ter seu complemento e plenitude
Numa outra vida que floresce agora.

Nada poderá se interromper
Sem quebrar a unidade do mundo.

Um germe foi criado no princípio
Para que se desdobre em planos múltiplos.
Nossos suspiros, nossos anseios, nossas dores
São gravados no campo do infinito
Pelo espírito sereníssimo que preside às gerações.

3

A muitos só lhes resta o inferno.
?Que lhes coube na monstruosa partilha da vida
Sente uma angústia sem nobreza, e a peste da alma.
Nunca ouviram a música nascer do farfalhar das árvores,
Nem assistiram à contínua anunciação
E ao contínuo parto das belas formas.
Nunca puderam ver a noite chegar sem elementos de terror,
Caminham conduzindo o castigo e a sombra de seus atos,
Comeram o pó e beberam o próprio suor,
Não se banharam no regato livre.
Entretanto, a transfiguração precede a morte.
Cada um deve assumi-la em carne e espírito
Para que a alegria seja completa e definitiva.

4

É preciso conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece.

Tudo no universo marcha, e marcha para esperar:
Nossa existência é uma vasta expectação
Onde se tocam o princípio e o fim.
A terra terá que ser retalhada entre todos
E restituída em tempo à sua antiga harmonia.
Tudo marcha para a arquitetura perfeita:
A aurora é coletiva.

Murilo Mendes
(1901-1975)

Mais sobre Murilo Mendes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Murilo_Mendes

5 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia Leão Ramos.
Você entrou no meu orkut, fazendo uma apresentação de sua comunidade POEMBLOG, que de cara gostei do nome que é muito bom. Parabéns.
E em seguida vim conhecer seu blogger, e aqui estou e já digo que gostei muito do vi, porque ainda não tive tempo de ler: Estou sem tempo agora, mas prometo voltar com calma para apreciar, pois vejo que tu tens muito bom gosto!
Um dia Feliz pra ti!
Um beijo!!

Liana disse...

Lindo poema,Zé Antonio!

"É preciso conhecer seu próprio abismo
E polir sempre o candelabro que o esclarece."

Versos sábios...
Grande Murilo!

Edu disse...

Olá, amigo!
Recebi um scrap sobre esse blog.
Adorei a iniciativa!!
Gostaria de trocar figurinhas.
Tb. sou blogueiro poeta:

www.poesianuaecrua.blogspot.com


Um grande abraço e parabéns!!

Anônimo disse...

Olá! Gosto muito do seu blog. Está de parabéns, a seleção de poesias é muito boa.
Posso te fazer um pedido? Eu vi essa poesia do Murilo Mendes e lembrei.
Há muito tempo eu li a poesia "Janelas do Caos" e adorei. Mas alguém pegou meu livro emprestado e deu sumiço... rs
Tem como você postá-la aqui?
Obrigada.

caredumar3 disse...

Sou fanático por Murilo, é sempre um prazer encontrar poemas deste poeta tão grande e tão esquecido, Murilo é desde 1970 o meu livro de cabeceira. Fis uma adapatação teatral do seu livro Tempo e Eternidade, foi montada em 1993..
Parabéns!