Não-coisa
O que o poeta quer dizer
No discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que relume...
como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?
A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes.
só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas
invadindo-te inteiro
tal dum mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,
um tumulto de vozes,
de gozos, de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos
No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.
O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torna-la aparência
pura – e iluminá-la.
Toda coisa tem peso
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
- essa voz somos nós.
Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar
2 comentários:
na verdade o poema é do Ferreira Gullar
parabens pelo blog
aqui entro todos os dias e me deparo com lindos poemas!
John,
Você tem toda razão; por uma falha nossa na edição com as novas ferramentas do Blogger, deixou de ser publicado o poema "Alumbramento", de Manuel Bandeira - que será publicado amanhã - e em seu lugar foi indevidamente publicado, com o título trocado, atribuído a Manuel Bandeira, o poema "Não-coisa". de Ferreira Gullar, do livro "Muitas vozes", 1999, que já estava programado para uma próxima postagem.
Muito obrigado pela sua pronta e generosa colaboração, sem a qual talvez nossa falha não tivesse sido percebida a tempo de fazermos as correções necessárias.
É de amantes da poesia como você que nos alimentamos para manter o Poemblog vivo.
Abraços,
José Antonio
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