domingo, maio 25, 2008

Como acordar sem sofrimento e recomeçar sem horror no reino onde não existe vida nem paixão, pergunta Drummond. Ninguém responde, a vida é pétrea.


Acordar, Viver


Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasgam em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?

E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

Um comentário:

Anônimo disse...

Que poema lindo este do Drummond...não conhecia... você é o máximo...seu blog só tem pérolas da poesia...é o melhor da internet.
Parabéns, José Antonio.
Clara