domingo, maio 25, 2008

Eu fiquei imóvel e no escuro tu vieste. Depois da volúpia, o pesadelo entrou em mim e não havia mais vida, diz Vinicius de Moraes à mulher da noite.


A mulher na noite

Eu fiquei imóvel e no escuro tu vieste.
A chuva batia nas vidraças e escorria nas calhas – vinhas andando e eu não te via
Contudo a volúpia entrou em mim e ulcerou a treva nos meus olhos.
Eu estava imóvel – tu caminhavas para mim como um pinheiro erguido
E de repente, não sei, me vi acorrentado no descampado, no meio de insetos
E as formigas me passeavam pelo corpo úmido.
Do teu corpo balouçante saíam cobras que se eriçavam sobre o meu peito
E muito ao longe me parecia ouvir uivos de lobas.
E então a aragem começou a descer e me arrepiou os nervos
E os insetos se ocultavam nos meus ouvidos e zunzunavam sobre os meus lábios.
Eu queria me levantar porque grandes reses me lambiam o rosto
E cabras cheirando forte urinavam sobre as minhas pernas.
Uma angústia de morte começou a se apossar do meu ser
As formigas iam e vinham, os insetos procriavam e zumbiam do meu desespero
E eu comecei a sufocar sob a rês que me lambia.
Nesse momento as cobras apertaram o meu pescoço
E a chuva despejou sobre mim torrentes amargas.

Eu me levantei e comecei a chegar, me parecia vir de longe
E não havia mais vida na minha frente.

Vinicius de Moraes

(1913-1980)

Mais sobre Vinicius de Moraes em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes

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