Só sei cantar
Sou simplesmente um cantor.
Já disse que nada invento
nem produzo formatos diferentes.
Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá.
Canto a luz da primavera,
canto a chuva da floresta,
canto a dor dos deserdados,
e a alvorada da justiça.
Canto o olhar da minha amada
e as pernas dela também.
Canto a plumagem celeste
do tucano que me acorda
e canto o peito encarnado
do rouxinol que chegou
dos altos do Rio Negro
para ver de perto o vôo
das pipiras azuladas.
(Alguns, da arte só pela arte,
me torcem a cara quando
canto em nome do meu povo
a aurora da liberdade.)
Canto o que suja e o que lava,
canto o que dói e o que abranda,
canto a rosa e seu espinho
e a cantiga de ciranda
que se faz de fogo e neve,
canto o amor, de novo canto,
só para aprender a amar.
Mas não canto o que bem quero
pelo gosto de cantar
que às vezes sabe a desgosto.
Canto o que a vida me pede,
imperiosa ou macia,
porque sabe que cantar
é um modo de repartir.
Sou poeta, só sei cantar.
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