domingo, abril 13, 2008

Se anuncia para Vinicius de Moraes a vinda da mulher amada. Chega de longe, como a estrela de longe, como o tempo, a sua amada última.


A brusca poesia da mulher amada - III


Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado
Minha irmã, conta-me histórias da infância em que eu haja sido herói sem mácula
Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a bilirrubina
Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos
Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências
E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas
Alinhadas sobre a mesas, as pontas prestes à poesia.
Eis que se anuncia de modo sumamente grave
A vinda da mulher amada, de cuja fragrância
Já me chega o rastro.
É ela uma menina, parece de plumas
E seu canto inaudíval acompanha desde muito a migração dos ventos
Empós meu canto. É ela uma menina.
Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina
Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes
Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos
Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos
Para cantar seus réquiems e os falsos profetas
A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas memórias
Mas nada a detém; ela avança, rigorosa
Em rodopios nítidos
Criando vácuos onde morrem as aves,
Seu corpo, pouco a pouco
Abre-se em pétalas...Ei-lo que vem vindo
Como uma escura rosa voltejante
Surgida de um jardim imenso em trevas.
Ela vem vindo...Desnudai-me, aversos!
Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!
Alvoroçai-me, auroras nascituras!
Eis que chega de longe, como a estrela
De longe, como o tempo
A minha amada última!

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

Mais sobre Vinicius de Moraes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinicius_de_Moraes

2 comentários:

Anônimo disse...

Acordei de sobressalto, no meio da noite...eram os versos de amor que me chamavam!

Anônimo disse...

Acordei de sobressalto, no meio da noite...eram versos de amor que me
chamavam!