terça-feira, maio 26, 2009

Um passeio de Gilberto Freyre pelas velhas janelas do Recife e de Olinda. São poucos os que conhecem a poesia do autor de Casa Grande & Senzala.


Velhas janelas do Recife e de Olinda


Velhas janelas do Recife e de Olinda
últimos olhos para as cidades que se transformam.

Da janela escancarada no nicho da Igreja do Livramento,
todas as noites desce sobre o bairro, sobre o Recife todo um
longo olhar de queixa; e outro olho de queixa é o do nicho
do Convento do Carmo, que às vezes também se escancara
e se ilumina.

Nas ruas napolitanas
do bairro de São José
com as roupas a secar
ainda se encntram antigas
janelas quadriculadas
os xadrezes dos postigos
que outrora amouriscavam
todo o Recife.

Em Olinda, na rua do Amparo,
existe o abalcoado levantino
que romantiza toda a rua, à noite.
Na varanda parece debruçar-se
doce figura de mulher que chama
o cauteloso amante em capa negra
para um encontro como nas estampas
do tempo de Romeu e Julieta.
Através do xadrez
dessas velhas janelas
as mulheres de outrora
de um saber quase árabe
gulosamente olhavam
o que ia lá fora.

Essas velhas janelas
tomavam ar de festa
apenas durante os
dias de procissão.
Botavam-lhe as sanefas
de damasco e de seda,
ou de veludo, orgulho
das arcas e baús
dessas casas fidalgas,
as mulheres então
olhavam nas varandas
ou ficavam de joelhos
sobre os abalcoados
benzendo-se e rezando
diante da procissão.

Imagens tristes de Nossos Senhores
e de Nossas Senhoras cujos olhos
eram de queixa e dor; santos, andores,
padres gordos de murças e de rendas;
frades com seus cordões, os irmãos de opas
e escapulários de variadas cores.

Ficavam na varanda
e no abalcoado, as mulheres
entre o pelo-sinal
e entre a rua e as sanefas.
Essas velhas janelas...

Gilberto Freyre
(1900-1987)

Mais sobre Gilberto Freyre em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gilberto_Freyre

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