sexta-feira, maio 01, 2009

Pouco antes de sua morte, Mário de Sá-Carneiro escreveu este lindo poema. Para consolar a um amigo pela morte da sua amante.


Consolação a um amigo pela morte da sua amante


Morreu a tua amante e a sua imagem linda
Alegre e buliçoso, julgas ver ainda!...
Unindo aos teus lábios os lábios seus trementes,
Julgas também vê-la e os ósculos ardentes
Senti-los a queimar!...
Ainda a entrevês esvelta, graciosa,
Divinal, inebriante, como as flores viçosa
Sorrir e fascinar!...

Arrancando-lhe da vida a preciosa essência
A negra morte sem dó determinou
Findar-lhe a existência!...

Mas ela era flor...ora as flores se nascem
É só para que passem
Na vida uma manhã. Se essa ela passou,
Se depois sorrindo ao mundo disse adeus
E abandonando a terra entrou nos céus
Não sei porque é que choras...

Por acaso já viste alguma rosa
Demorar-se no mundo muitas horas
Fresca e viçosa?...

Decerto não. Cala pois
O teu lastimoso pranto
Que no céu vela por ti
Quem na terra te amou tanto.

Ao veres o seu corpo exangue
Sofres-te tu atrozmente
Bem sei, faltava-te o ente
Que era mais do que o teu sangue.

'Té Deus amaldiçoaste,
Oh! mísero, vendo perdido
O teu tesouro mais querido...
Depois a morte imploraste!

Quer dizer: não a conheces
Pois é escusado pedir
À cruel quando alguém
Determinou possuir:

Os nossos gritos são vãos
Fecha os ouvidos aos ais
Que levantam, lancinantes,
Amantes, filhos e pais!

Vendo-a sempre inanimada
Tu falas-me desta sorte:
"De mim, oh! Deus compadece-te,
Oh! faz-me mercê da morte!..."

Não a peças porque ela
Também te virá buscar.
Julgas talvez que no mundo
Hás-de pra sempre ficar?...

Subirás também aos céus
Onde a tua querida amante
Está esperando palpitante
Os ardentes beijos teus...

Serás então venturoso
D'ela não te apartarás
Sempre ao teu lado verás
O seu perfil gracioso!...

Coragem, não desesperes
Porque a morte há-de levar-te
Quando tu menos esperes
Para o céu arrebatar-te

Alento, alento, coragem
Reage...tem paciência!

Querer o mesmo que Deus quer
É a única ciência
Que dá eterno repouso!...

Amigo, pois:
Paciência!...

Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)

Mais sobre Mário de Sá-Carneiro em
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_de_S%C3%A1-Carneiro

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