sexta-feira, maio 01, 2009

Os mendigos maiores são um povo que se vai convertendo em pedra. Para Cecília Meireles, esse povo é que é o seu.


Estirpe

Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixam-se estar. Deixam-se estar.
Deixam-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.

Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.
Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.
E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendente
que, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai.

Oh! não gemiam não...Os mendigos maiores são todos estóicos.
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz,
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da estranha sorte
que anda por eles como um rio num país.

Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.
Abriram sonos e silêncios e espaços nus, em redor de si.
Têm seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.
Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri.

E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem pede.
E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai convertendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.


Cecília Meireles
(1901-1964)

Mais sobre Cecília Meireles em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles

2 comentários:

Judô e Poesia disse...

Que belo blog, desbojado de ambiçõe e vaidades tolas, ornado pela qualidade do que se lê, escolhido pelas mãos de um poeta de verdade. Muita prazerosa esta passagem. Abraços. Domingos.

Mudei a última estrofe de lugar disse...

Linda a postagem de hj!!!
Fiquei com uma vontade, q nem sei qual é