terça-feira, junho 03, 2008

Gostava tanto de mexer na vida, de ser quem sou, mas de poder tocar-lhe... Em crise lamentável, Mário de Sá-Carneiro sabe que tudo é fantasia alada.


Crise lamentável

Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou - mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.

Viver em casa como toda a gente
Não ter juízo nos meus livros - mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.

Não Ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas -
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.

Ter força um dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai.
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.

Levantar-me e sair - não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a frousse das correntes de ar.

Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento -
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento

Que tudo em é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete
Por meu Azar ou minha Zoina suada...


Mário de Sá-Carneiro

(1890-1916)

Mais sobre Mário de Sá-Carneiro em

http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_de_S%C3%A1-Carneiro


Um comentário:

Anônimo disse...

Mais um lindo poema com que você nos brinda,José Antonio.
Muito obrigada por tudo que faz pela poesia.
Beijo,
Maria