segunda-feira, janeiro 26, 2009
Emílio Moura ouve a voz do desejo e recua até as origens de sua angústia. Ele acende fogueiras dentro da noite e espera cantando pela madrugada.
Poema patético
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto
fechado,
Ouço-te, agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamente recuo até as
origens de minha angústia,
Policiada e vencida, oh! afinal vencida por tantos e tantos séculos
de resignação e humildade.
Em que hora remota, em que época já tão distanciada, foi que os ares
vibraram pela última vez, diante de teu último grito de rebeldia?
Quantas vezes, ó meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes fogueiras
dentro da noite.
E esperar, cantando, pela madrugada?
Mas, e hoje? Hoje a tua voz ressoa dentro de mim, como um cântico de
órgão.
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma
caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto
fechado.
Emílio Moura
(1902-1971)
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