quinta-feira, julho 10, 2008

Nada, Eu. Do cinema do tempo de Carlito ao telefone que não respondeu, passando pela raposa prateada, um dos belos poemas de Guilherme de Almeida.


Romance do silêncio


O cinema do tempo de Carlito.
Duas estrelas conversando no infinito
A espera do cigarro evaporado.
Um relógio parado.
Livros na estante.
O nariz verde na vidraça vigilante.
Sopros do céu.
Gestos de véu.
O auto que pára numa esquina: asfalto e pneus.
Salto do coração: "Meu Deus! Meu Deus!"
Pés cautelosos pela escada de pelúcia.
A raposa prateada e os seus olhos de astúcia.
A mão que se abandona.
As luvas, o chapéu e a bolsa na poltrona.
Um gosto de bâton.
O movimento de onda do édredon.
O cortinado - Anjo da Guarda - abrindo as asas.
A manhã cor-de-cinza sobre brasas.
A plataforma antes que o trem chegasse.
O caminho da lágrima na face.
Uma carta extraviada.
Um telefone que não respondeu.
Nada.
Eu.

Guilherme de Almeida
(1890-1968)

Mais sobre Guilherme de Almeida em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guilherme_de_Almeida

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