domingo, março 22, 2009

Orfeu rebelde, canto como sou. Canto, a ver se o meu canto compromete a eternidade do meu sofrimento, diz Miguel Torga em seu belo poema.


Orfeu rebelde


Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
a eternidade do meu sofrimento.

Outros felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que advinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
se o canto é de terror ou de beleza.

Miguel Torga
(1907-1995)

Mais sobre Miguel Torga em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga

Nenhum comentário: