quarta-feira, março 04, 2009
Em seu ofício, Paulo Mendes Campos cedo aprendeu que um poema não tem porto. Sabedorias de um poeta no bar.
Poeta no bar
Que fazer de um instrumento,
Violoncelo, fonte, flauta,
A buscar um sofrimento
Que se encontra além da pauta?
Quando perdemos a voz,
Fala de nós e por nós
O personagem sem medo
Cujas palavras de olvido
Compõem o outro sentido
Do segredo de um degredo.
Tudo que rói e escalavra,
Dente de marfim do mar,
Faca do vento a passar,
Lembra a busca da palavra.
Só conhecer a ciência,
Malarmaica paciência,
Capaz de achar a vogal
Que surde empós das toantes,
Escadindas consoantes
De uma pausa musical
Estas horas perdoadas,
Perdidas de quem nos ama,
São aflições combinadas
Às pantomimas do drama.
Um filamento de riso
Liga o inferno ao paraíso.
Se a noite esconde as estrelas,
Pode um palhaço brilhante
Dar um salto tão distante
Que seja digno de vê-las.
Este arlequim de pintura
Vai surgir aqui, apenas
Compare a sua figura
A minhas roupas terrenas.
Vão surgir do saltimbanco
Perfil, fonte, face e flanco.
Vou sofrer por artifício
O silêncio desta mesa
Que me exila na clareza
De meu puro sacrifício.
Recife em mar de presságio,
Um poema não tem porto
Vaga que devolve o morto
Às areias do naufrágio.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
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