domingo, agosto 05, 2007

Em sua cantiga de banheiro, Mauro Mota descobre que há na fechadura um olho que chama outro olho. E ele pode ver tudo, quando a moça fica nua.


Cantiga de banheiro

A moça vai tomar banho,

banho domiciliar.

A moça não se dispersa

na piscina nem no mar.

A moça entra no banheiro

e torce a chave e o ferrolho

da porta. (Há na fechadura

um olho que chama outro olho).

A moça vai tomar banho.

Deixa os chinelos no canto.

Perdeu os itinerários.

Solta os cabelos castanhos.

Fica nua. Dela saltam

peitos agressivos de

bicos rubros, insinuantes,

de leite e amor para as bocas

dos babies e dos amantes.

A moça morena espia

dentro do espelho da pia

a exclusivamente sua

liberta beleza nua.

Comprime-se o espelho quando

a moça se distancia.

Na solidão do banheiro,

vê-se emparedada viva

nas paredes do azulejo

e nua fica debaixo

do chuveiro de onde a água

humaniza-se e, acrobata,

dá um pulo da cascata

doméstica com a intenção

de levar a moça longe,

de fazer um filho plástico

no ventre virgem lambido

de esponja e de sabonete.

Quando a branca toalha asséptica

abriu-se na fúria ambiente,

a água já roubara a moça

camuflada pela espuma,

que ia embora pela rua

nadando pela sarjeta

a imagem da moça nua.

Mauro Mota

(1911-1984)

Mais sobre Mauro Mota em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mauro_Mota

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