quarta-feira, junho 24, 2009

Em meados do século 19, Castro Alves dedicou este belo poema à mulher do seu amor. Para a época, um poema sutilmente erótico e delicado.


Boa-noite


Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde...é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa-noite!...E tu dizes - Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
- Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve...a Calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?...pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
- Desmanchado o roupão, a espádua nua -
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
- São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!...É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
- Boa-noite! - formosa Consuelo!...

Castro Alves
(1847-1871)

Mais sobre Castro Alves em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Castro_Alves

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