quarta-feira, fevereiro 18, 2009
Nos versos de Mauro Mota, vem vindo José Maria. Ele vem de São Bento do Una, vestido de roupa cáqui e de botinas reiúnas.
A construção
Vem vindo José Maria,
vem de São Bento do Una,
vestido de roupa cáqui
e de botinas reiúnas.
No conselho de família,
só encontra a hierarquia
do avô cabo de polícia.
O pai na barbearia
do povoado trabalha,
mal completa o pagamento
da prestação da navalha.
Vem vindo José Maria,
o amarelinho de São Bento
do Una, sem genealogia.
Vem montado no jumento.
Saiu da escola. (Não tinha
nem livros nem fardamento.
Aprendeu a ler sozinho.)
Oh, que infância sem infância,
essa do José Maria!
Entrava na terra o casco
do seu cavalo de pau,
que o cabo da enxada era
a escoiceante montaria.
Tirava leite das vagas,
mas o leite não bebia.
Os animais da fazenda,
com que doçura os tangia!
Carregava areia e lenha
com o gosto do engenheiro
que uma obra construía.
Foi bicheiro e negociante
de passarinhos na feira.
Vendeu frutas e roletas
nas festas da Padroeira.
Lavou frascos na botica,
lavou os pratos do hotel,
fez os serviços miúdos
da casa do coronel.
- Pega o carneirinho mocho
para Jorginho montar.
- Vê se a novilha cinzenta
já voltou para o curral.
- Leva o peru para a ceia
do Doutor pelo Natal.
Ven vindo José Maria
vem de São Bento do Una,
vestido de roupa cáqui
e de botinas reiúnas.
Puxa ainda o seu jumento,
remexe nos caçuás.
Carrega barro e madeira
para a construção que faz
com alicerces na poesia
dos desesperos rurais.
Mauro Mota
(1911-1984)
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