quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Guimarães Rosa ia triste, com a tristeza comum dos fatigados. E a sua tristeza pesava mais do que todos os pesos.


Desterro


Eu ia triste, com a tristeza discreta dos fatigados,
com a tristeza torpe dos que partiram tendo despedidas,
tão preso aos lugares
de onde o trem já me afastara estradas arrastadas,
que talvez eu não estivesse todo inteiro presente
no horror dessa viagem.
Mas a minha tristeza pesava mais do que todos os pesos,
e era por causa de mim, da minha fadiga desolada,
que a locomotiva, lá adiante, ridícula e honesta, bracejava,
puxando com esforço vagões quase vazios,
com almas cheias de distância, a penetrar no longe.
A tarde subiu do chão para a paisagem sem casas,
e o comboio seguia,
cada vez mais longe, mais fundo, a terra mais vermelha,
o esforço maior, as montanhas mais duras,
como sabem ser duros os caminhos,
pelos quais a gente vai, só pensando na volta...
Coagulada em preto,
a noite isolou as cousas dentro da tarde,
e o barulho do trem foi um rumor de soçobro
no fundo de um mar sem tona.
Nem mesmo foi a noite: foi a ausência
brusca e absurda do dia.
Tão definitiva e estranha, que eu me alegrei, esperando
o não continuar da vida,
o não-regresso da luz, o não-andar-mais-de-trem...

Guimarães Rosa
(1908-1967)

Mais sobre Guimarães Rosa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa

Um comentário:

Anônimo disse...

E as lágrimas se apossaram dos meus olhos...