sexta-feira, março 14, 2008

Nos versos de Carlos Nejar, o homem é um animal doméstico, animal de festa e guerra. Doméstico, até na morte doméstico.


A alma e sua danação

Animal doméstico,
animal de festa e guerra,
homem,
preso a si mesmo pela cauda ridícula,
preso aos outros pelo movimento da pata,
não tens outra porta ou acomodação neces-
sária
não tens outro tema ou teorema
a modular com as traças.

Teus pais te engedraram para seres
doméstico.
Uma estrela guiou tua vinda para seres
doméstico.
Cresceste além da sede e da fome
para seres doméstico.
E quando pensaste atingir o infinito, com as
têmporas
ficaste enterrado num sotão doméstico.

Doméstico como os gatos e as moscas,
não pões asco de estar ali
a farejar os pratos
e cheirar por justiça nos corredores.

Doméstico e atado
pela coleira das convenções,
doméstico e fácil, satisfatório
em todos os assuntos de disciplina,
hábil na manipulação dos horizontes,
que fazer senão saber-se
passivamente doméstico,
enrolando-se nisso?

Articulas-te, entre a angústia e a esperança,
com o dorso numa e noutra coisa
e as pernas da ambição nos elétricos.

Animal doméstico,
dormes nos calendários
e a morte te desperta
no melhor da sesta.

Doméstico, até na morte doméstico.

Carlos Nejar

Mais sobre Carlos Nejar em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Nejar

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