quinta-feira, agosto 31, 2006
Vinícius sentia toda a intimidade numa festa de espuma. Sem nenhuma comoção.
Soneto de Intimidade
Nas tardes da fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.
Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma aurora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.
Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve
Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.
Vinícius de Moraes
(1913-1980)
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Para Donne, o dia é curto demais quando o amor se perde nas sombras da noite.
A lecture upon the shadow
Stand still, and I will read to thee
A lecture, Love, in Love's philosophy.
These three hours that we have spent,
Walking here, two shadows went
Along with us, which we ourselves produced.
But, now the sun is just above our head,
We do those shadows tread,
And to brave clearness all things are reduced.
So whilst our infant loves did grow,
Disguises did, and shadows, flow
From us and our cares ; but now 'tis not so.
That love hath not attain'd the highest degree,
Which is still diligent lest others see.
Except our loves at this noon stay,
We shall new shadows make the other way.
As the first were made to blind
Others, these which come behind
Will work upon ourselves, and blind our eyes.
If our loves faint, and westerwardly decline,
To me thou, falsely, thine
And I to thee mine actions shall disguise.
The morning shadows wear away,
But these grow longer all the day ;
But O ! love's day is short, if love decay.
Love is a growing, or full constant light,
And his short minute, after noon, is night.
John Donne
(1572-1631)
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quarta-feira, agosto 30, 2006
Por um lindésimo de segundo, tudo psiu em volta de Leminski.
Por um lindésimo de segundo
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu
tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas
Paulo Leminski
(1944-1989)
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Milano, que também era Dante, vivia a morte com tal sofreguidão que poetou até quase os 100 anos.
Canção Inútil
A vida, a verdadeira vida,
Aquela que não é vivida,
A que é perdida, sonhada,
A realidade irrealizada,
A que eu procuro e não encontro,
Houve por certo um desencontro...
Nenhum problema filosófico,
Trata-se de uma catástrofe.
Salva-se o corpo, é verdade,
Vive-se mas com humildade,
Em cima o montão de entulho,
E embaixo, humilhado, o orgulho.
Reveste-se um falso tédio
Qua adia o inútil suicídio.
Dante Milano
(1899-1991)
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Para Darcy, a amada era sempre aquela que ainda não tinha vindo. Mas viria, a diaba.
Aquela
Minha amada é de carne,
de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.
Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.
Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.
Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.
Darcy Ribeiro
(1922-1997)
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segunda-feira, agosto 28, 2006
Neruda via um ramo de flores cair do sol no vestido escuro de sua amada. E da noite, as grandes raízes crescerem na alma dela.
Veinte poemas de amor y una canción deseperada
Poema II
En su llama mortal la luz te envuelve.
Absorta, pálida doliente, así situada
contra las viejas hélices del crepúsculo
que en torno a ti da vueltas.
Muda, mi amiga,Absorta, pálida doliente, así situada
contra las viejas hélices del crepúsculo
que en torno a ti da vueltas.
sola en lo solitario de esta hora de muertes
y llena de las vidas del fuego,
pura heredera del día destruido.
Del sol cae un racimo en tu vestido oscuro.
De la noche las grandes raíces
crecen de súbito desde tu alma,
y a lo exterior regresan las cosas en ti ocultas.
De modo que un pueblo pálido y azul
de ti recién nacido se alimenta.
Oh grandiosa y fecunda y magnética esclava
del círculo que en negro y dorado sucede:
erguida, trata y logra una creación tan viva
que sucumben sus flores, y llena es de tristeza.
Pablo Neruda
(1904-1973)
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Emerson bebia o sangue do mundo enquanto pensava na dança das Pleiads e nos homens eternos. E dizia que Jesus era um grande homem, mas não era Deus.
Bacchus
Bring me wine, but wine which never grew
In the belly of the grape,
Or grew on vine whose taproots reaching through
Under the Andes to the Cape,
Suffered no savor of the world to 'scape.
Let its grapes the morn salute
From a nocturnal root
Which feels the acrid juice
Of Styx and Erebus,
And turns the woe of night,
By its own craft, to a more rich delight.
We buy ashes for bread,
We buy diluted wine;
Give me of the true,
Whose ample leaves and tendrils curled
Among the silver hills of heaven,
Draw everlasting dew;
Wine of wine,
Blood of the world,
Form of forms and mould of statures,
That I; intoxicated,
And by the draught assimilated,
May float at pleasure through all natures,
The bird-language rightly spell,
And that which roses say so well.
Wine that is shed
Like the torrents of the sun
Up the horizon walls;
Or like the Atlantic streams which run
When the South Sea calls.
Water and bread;
Food which needs no transmuting,
Rainbow-flowering, wisdom-fruiting;
Wine which is already man,
Food which teach and reason can.
Wine which music is;
Music and wine are one;
That I, drinking this,
Shall hear far chaos talk with me,
Kings unborn shall walk with me,
And the poor grass shall plot and plan
What it will do when it is man:
Quickened so, will I unlock
Every crypt of every rock.
I thank the joyful juice
For all I know;
Winds of remembering
Of the ancient being blow,
And seeming-solid walls ot use
Open and flow.
Pour, Bacchus, the remembering wine;
Retrieve the loss of me and mine;
Vine for vine be antidote,
And the grape requite the lot.
Haste to cure the old despair,
Reason in nature's lotus drenched,
The memory of ages quenched;
—Give them again to shine.
Let wine repair what this undid,
And where the infection slid,
And dazzling memory revive.
Refresh the faded tints,
Recut the aged prints,
And write my old adventures, with the pen
Which, on the first day, drew
Upon the tablets blue
The dancing Pleiads, and the eternal men.
Ralph Waldo Emerson
(1802-1882)
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Ralph Waldo Emerson
Fernando Pessoa de tanto ser, só tinha alma. E na dúvida profunda, se perguntava: Fui eu? E ele mesmo respondia: Deus sabe, porque o escreveu.
Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
( 1888-1935)
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Fernando Pessoa
Mais um poema dos bons tempos do colégio. O Patrono da Independência lançava a semente de uma revisão histórica da figura de Calabar.
Calabar
Oh! não vendeu-se, não!
- Ele era escravo
Do jugo português.
- Quis a vingança;
Abriu sua alma às ambições de um bravo
E em nova escravidão bebeu a esperança!
Combateu... pelejou... entre a batalha
Viu essas vidas que no pó se somem;
Enrolou-se da pátria na mortalha,
Ergueu-se - inda era um homem!
Calabar! Calabar! Foi a mentira
Que a maldição cuspiu em tua memória!
Amaste a liberdade; era uma lira
De loucos sonhos, de elevada glória!
Alma adejando neste Céu brilhante
- Sonhaste escravo reviver liberto;
Subiste ao largo espaço triunfante,
Voaste - era um deserto!
A quem traíste, herói? - Na vil poeira
Que juramento te prendia à fé?!
Escravo por escravo essa bandeira
Foi de um soldado lá - ficou de pé!...
Viu o sol entre as brumas do futuro
- Ele que por si só nada podia;
Quis vingar-se também - no sonho escuro
Quis ter também seu dia!
O pulso roxo da fatal cadeia
Brandiu uma arma, pelejou também,
Viram-no erguido na refrega feia,
- Sombrio vulto que o valor sustém!
Respeitai-o - que amou a heroicidade!
Quis erguer-se também do raso chão!
Foi delírio talvez - a eternidade
Teve no coração!
Oh! que o Céu era lindo e o sol se erguia,
Como um incêndio nas brasílias terras;
Da cimeira da selva a voz surgia,
E o som dos ventos nas remotas serras!
Adormeceu... à noite em funda calma
Ouviu ao longe os ecos da floresta;
Bateu-lhe o coração - triste sua alma
Sorriu-se - era uma festa!
Homem - sentiu na carne desnudada
O açoite do algoz nodoar a honra,
E o sangue sobre a face envergonhada
Mudo escreveu o grito da desonra!
Era escravo! Deixai-o que combata;
Livre nunca ele foi - quer sê-lo agora,
Como o peixe no mar, a ave na mata,
Como no Céu a aurora!
Oh! deixai-o morrer - deste martírio!
Não alceis a calúnia ao grau da história!
Que fique a lusa mão em seu delírio
- Já que o corpo manchou, manchar a glória!
Respeitemos as cinzas do guerreiro
Que no pó sacudira a alteira fronte!
Quem sabe esse mistério segredeiro
Do sol lá no horizonte?!
Não se vendeu! Infâmia... era um escravo!
Sentiu o estigma vil, horrendo selo;
Pulsou-lhe o coração, viu que era um bravo;
Quis despertar do negro pesadelo!
Tronco sem folhas, triste e solitário,
Debalde o vento assoberbar tentou,
Das asas do tufão ao sopro vário
Estremeceu, tombou!
Paz ao sepulcro! Calabar morreu!
Sobre o topo da cruz fala a verdade!
Quis ser livre também - ele escolheu,
Entre duas prisões - quis ter vontade!
E a mão heróica que susteve a Holanda
A covardia entrega desarmada!
Vergonha eterna a Providência manda
À ingratidão manchada!
Morreu! Mas lá no marco derradeiro
O coração de amor bateu-lhe ainda!
Minha mãe! murmurou... era agoureiro
Esse queixume de uma dor infinda!
Morreu, o escravo se desfaz em pó...
Ferros lançai-lhe agora, se o podeis!
Vinde, tiranos - ele está bem só,
Ditai-lhe agora as leis!
José Bonifácio
(1827-1866)
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José Bonifácio
Para você também se lembrar dos tempos do colégio. Eu confesso que fiquei muito emocionado ao reler este poema. E quem quiser me gozar, que se dane.
I-Juca-Pirama
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d'outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz.
Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Em tanto as mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
índio já querem cativo acabar:
a coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar,
II
Em fundos vasos d'alvacenta argila
Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim!
Contudo os olhos d'ignóbil pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.
Mas um martírio, que encobrir não pode,
Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz!
Que tens, guerreiro? Que temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.
Folga morrendo; porque além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,
Lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares,
O raio ofende!
Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
Como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado
Esmoreceu!
Que temes, ó guerreiro?
Além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.
III
Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
Colar d'alvo marfim, insígnia d'honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d'imigos feros.
"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."
Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, - dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
V
Soltai-o! - diz o chefe.
Pasma a turba;
Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.
Timbira, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És um guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por seu na voz conhece.
- És livre; parte.
- E voltarei.
- Debalde.
- Sim, voltarei, morto meu pai.
- Não voltes!
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte!
- Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
- És livre; parte!
- Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.
- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.
Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas
O rebater do coração se ouvia Precípite.
- Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento...
Já não... que na enlutada fantasia,
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia:
- Ingrato! Ingrato!
Curvado o colo, taciturno e frio.
Espectro d'homem, penetrou no bosque!
VI
- Filho meu, onde estás?
- Ao vosso lado;
Aqui vos trago provisões; tomai-as,
As vossas forças restaurai perdidas,
E a caminho, e já!
- Tardaste muito!
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!
- Sim demorei-me a divagar sem rumo,
Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já!
- Que novos males
Nos resta de sofrer?
- que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
- As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta.
- Mas tu tremes!
- Talvez do afã da caça....
- Oh filho caro!
Um quê misterioso aqui me fala,
Aqui no coração; piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor, e agora temes?
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valem brios.
Partamos!...
- E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tacteando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o acre odor das frescas tintas,
Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: - foge, volta,
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato!...
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados,
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara,
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via; ele o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Ali no coração se concentrava,
Era num ponto só, mas era a morte!
- Tu prisioneiro, tu?
- Vós o dissestes.
- Dos índios?
- Sim.
- De que nação?
- Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a maça...
- Nada fiz... aqui estou.
- Nada!
- Emudecem;
Curto instante depois prossegue o velho:
- Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
- Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia....
- E depois?...
- Eis-me aqui.
- Fica essa taba?
- Na direção do sol, quando transmonta.
- Longe?
- Não muito.
- Tens razão: partamos.
- E quereis ir?...
- Na direção do acaso.
VII
"Por amor de um triste velho,
Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.
"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por se ufane!"
Mas o chefe dos Timbiras,
Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com tôrvo acento:
- Nada farei do que dizes:
É teu filho imbele e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto.
Do velho Tupi guerreiro
A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!
VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
IX
Isto dizendo, o miserando velho
A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservada,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
- Esse momento só vale a pagar-lhe
Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jacto e por um só se aniquilasse.
- Basta! Clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre!
Assaz lutaste,
E para o sacrifício é mister forças.
- O guerreiro parou, caiu nos braços
Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado!
"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
"Corram livres as lágrimas que choro,
"Estas lágrimas, sim, que não desonram."
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest'hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d'escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".
Gonçalves Dias
(1823-1864)
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Gonçalves Dias
sábado, agosto 26, 2006
Entre o que desejava ser e o que os outros lhe fizeram, o poeta conheceu-se. Não existia.
Começo a conhecer-me. Não existo.
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Álvaro de Campos,
um dos heterônimos de Fernando Pessoa
(1888-1935)
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Alvaro de Campos
Um dos mais belos poemas do nosso Drummond. Um canto ao amor antigo, tanto mais velho quanto mais amor.
Ao Amor Antigo
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
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Carlos Drummond de Andrade
Tudo parecia para o poeta um sonho dentro de um sonho.
A dream within a dream
Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow-
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.
I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand-
How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep- while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
Edgar Allan Poe
(1809-1849)
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Edgar Allan Poe
Em Derniers Vers, Rimbaud estava preocupado com a Eternidade. O mar que se foi com o sol.
L'Eternité
Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.
Ame sentinelle,
Murmurons l'aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.
Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.
Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s'exhale
Sans qu'on dise : enfin.
Là pas d'espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.
Elle est retrouvée.
Quoi ? - L'Eternité.
C'est la mer allée
Avec le soleil.
Arthur Rimbaud
(1854-1891)
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Arthur Rimbaud
Ela tinha pernas de estátua e o poeta queria estar com ela antes da eternidade.
A une passante
La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet ;
Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair... puis la nuit ! - Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité ?
Ailleurs, bien loin d'ici ! trop tard ! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais !
Charles Baudelaire
(1821-1867)
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Charles Baudelaire
sexta-feira, agosto 25, 2006
Sua vida foi um mistério e sua poesia desconhecida. Mas até hoje é considerada como uma das maiores poetas da língua inglesa.
There's a certain slant of light
There's a certain slant of light,
On winter afternoons,
That oppresses, like the weight
Of cathedral tunes.
Heavenly hurt it gives us;
We can find no scar,
But internal difference
Where the meanings are.
None may teach it anything,'
Tis the seal, despair,-
An imperial affliction
Sent us of the air.
When it comes, the landscape listens,
Shadows hold their breath;
When it goes, 't is like the distance
On the look of death.
Emily Dickinson
(1830-1886)
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Emily Dickinson
Mulher, doceira de profissão, poeta de paixão. Cora Coralina em em uma abordagem polêmica da vida de uma Mulher.
Mulher da Vida
Mulher da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida,
minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por aqueles
que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo
o tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão, a levante,
e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.
Declarou-lhe Jesus:
“Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes
vos precedem no Reino de Deus”.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.
Cora Coralina
(1889-1985)
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Cora Coralina
Charneca em flor, de Flor bela.
Charneca em flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou,
Amor, Soror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela Espanca
(1894-1930)
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Florbela Espanca
Ele entrou nela sem cerimônias. E agora dorme.
Penetração do Poema das Sete Faces
A Carlos Drumond de Andrade
Ele entrou em mim sem cerimônias
Meu amigo seu poema em mim se estabeleceu
Na primeira fala eu já falava como se fosse meu
O poema só existe quando pode ser do outro
Quando cabe na vida do outro
Sem serventia não há poesia não há poeta não há nada
Há apenas frases e desabafos pessoais
Me ouça, Carlos, choro toda vez que minha boca diz
A letra que eu sei que você escreveu com lágrimas
Te amo porque nunca nos vimos
E me impressiono com o estupendo conhecimento
Que temos um do outro
Carlos, me escuta
Você que dizem ter morrido
Me ressuscitou ontem à tarde
A mim a quem chamam viva
Meu coração volta a ser uma remington disposta
Aprendi outra vez com você
A ouvir o barulho das montanhas
A perceber o silêncio dos carros
Ontem decorei um poema seu
Em cinco minutos
Agora dorme, Carlos.
Elisa Lucinda
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A Carlos Drumond de Andrade
Ele entrou em mim sem cerimônias
Meu amigo seu poema em mim se estabeleceu
Na primeira fala eu já falava como se fosse meu
O poema só existe quando pode ser do outro
Quando cabe na vida do outro
Sem serventia não há poesia não há poeta não há nada
Há apenas frases e desabafos pessoais
Me ouça, Carlos, choro toda vez que minha boca diz
A letra que eu sei que você escreveu com lágrimas
Te amo porque nunca nos vimos
E me impressiono com o estupendo conhecimento
Que temos um do outro
Carlos, me escuta
Você que dizem ter morrido
Me ressuscitou ontem à tarde
A mim a quem chamam viva
Meu coração volta a ser uma remington disposta
Aprendi outra vez com você
A ouvir o barulho das montanhas
A perceber o silêncio dos carros
Ontem decorei um poema seu
Em cinco minutos
Agora dorme, Carlos.
Elisa Lucinda
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Elisa Lucinda
O poeta já tinha feito o seu testamento. Agora, só lhe restava contar um verso.
Testamento do poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.
O mesmo vos direi, sonhos antigos
De amor! olhos nos meus outrora absortos!
Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,
Que fostes o melhor dos meus pascigos!
E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje
Que tudo e todos vejo reduzidos,
E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.
Para reaver, porém, todo o Universo,
E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!...
Basta-me o gesto de contar um verso.
José Régio
(1901-1969)
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José Régio
quinta-feira, agosto 24, 2006
No silêncio se esconde a minha intensa vontade de gritar, confessa Clarice.
Dá-me a tua mão
Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio
e nesse silêncio profundo se esconde
minha intensa vontade de gritar.
Clarice Lispector
(1920-1977)
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Clarice Lispector
O drama do anão triste porque fez o pedido errado.
O anão triste
De pau em riste
O anão Cidão
Vivia triste.
Além do chato de ser anão
Nunca podia
Meter o ganso na tia
Nem na rodela do negrão.
É que havia um problema:
O porongo era longo
Feito um bastão.
E quando ativado
Virava... a terceira perna do anão.
Um dia... sentou-se o anão triste
Numa pedra preta e fria.
Fez então uma reza
Que assim dizia:
Se me livrasses, Senhor,
Dessa estrovenga
Prometo grana em penca
Pras vossas igrejas.
Foi atendido.
No mesmo instante
Evaporou-se-lhe
O mastruço gigante.
nenhum tico de pau
Nem bimba nem berimbau
Pra contá o ocorrido.
E agora
Além do chato de ser anão
Sem mastruço nem fole
Foi-se-lhe todo o tesão.
Um douto bradou: Ó céus!
Por que no pedido que fizeste
Não especificaste pras Alturas
Que lhe deixasse um resto?
Porque pra Deus
O anão respondeu
Qualquer dica
É compreensão segura.
Ah, é, negão? Então procura.
E até hoje
Sentado na pedra preta
O anão procura as partes pudendas...
Olhando a manhã fria.
Moral da história:
Ao pedir, especifique tamanho
Grossura quantia.
Hilda Hilst
(1930-2004)
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Hilda Hilst
Ela só via dois caminhos, ou virava doida ou santa.
A Serenata
Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que ele vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
Adélia Prado
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Adélia Prado
O Machado de Assis que quase todo mundo desconhece.
Musa dos olhos verdes
Musa dos olhos verdes, musa alada,
Ó divina esperança,
Consolo do ancião no extremo alento,
E sonho da criança;
Tu que junto do berço o infante cinges
C'os fúlgidos cabelos;
Tu que transformas em dourados sonhos
Sombrios pesadelos;
Tu que fazes pulsar o seio às virgens;
Tu que às mães carinhosas
Enches o brando, tépido regaço
Com delicadas rosas;
Casta filha do céu, virgem formosa
Do eterno devaneio,
Sê minha amante,
os beijos meus recebe,
Acolhe-me em teu seio!
Já cansada de encher lânguidas flores
Com as lágrimas frias,
A noite vê surgir do oriente a aurora
Dourando as serranias.
Asas batendo à luz que as trevas rompe,
Piam noturnas aves,
E a floresta interrompe alegremente
Os seus silêncios graves.
Dentro de mim, a noite escura e fria
Melancólica chora;
Rompe estas sombras que o meu ser povoam;
Musa, sê tu a aurora!
Machado de Assis
(1839-1908)
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Machado de Assis
Aceitará o amor como eu o encaro, perguntou o poeta. O que será que ela respondeu?
Aceitarás o amor como eu o encaro?...
Aceitarás o amor como eu o encaro ?
......Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.
Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Não exijas mais nada.
Não desejo também mais nada,
só te olhar, enquanto a realidade é simples,
e isto apenas.
Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições.
O encanto que nasce das adorações serenas.
Mário de Andrade
(1893-1945)
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Mário de Andrade
terça-feira, agosto 22, 2006
De um grande poeta para outro grande poeta. Ou de como as palavras dizem tudo de forma simples e bela nesses versos imortais e pouco conhecidos.
Quintanares
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.
São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.
São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.
E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares
Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.
Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
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Manuel Bandeira
Às vezes ele se pintava nuvem, às vezes se pintava árvore. Seria o poeta também um grande pintor se fosse outro o seu caminho?
O Auto-Retrato
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Terminado por um louco!
Mario Quintana
(1906-1994)
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Mario Quintana
"Um poema perto do fim", de Thiago de Melo. E todos os dias, mesmo sem querer, acordamos cada vez mais perto dele.
Poema perto do fim
A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
Thiago de Mello
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A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
Thiago de Mello
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Thiago de Mello
segunda-feira, agosto 21, 2006
Carlos Pena fez a letra de "A mesma rosa amarela". Mas se não tivesse nos deixado tão cedo, seria conhecido como um dos maiores poetas brasileiros.
A Solidão e Sua Porta
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
Carlos Pena Filho
(1929-1960)
Mais sobre a vida e a obra de Carlos Pena Filho:
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Carlos Pena Filho
"La Divina Commedia" é uma das obras de arte mais importantes da civilização. "Deixai toda esperança, ó vós que entrais!" (Inferno, Canto III, 9)
La Divina Commedia *
Inferno
Canto I
Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
esta selva selvaggia e aspra e forte
che nel pensier rinova la paura!
Tant'è amara che poco è più morte;
ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.
Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
tant'era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai.
Ma poi ch'i' fui al piè d'un colle giunto,
là dove terminava quella valle
che m'avea di paura il cor compunto,
guardai in alto, e vidi le sue spalle
vestite già de' raggi del pianeta
che mena dritto altrui per ogne calle.
Allor fu la paura un poco queta
che nel lago del cor m'era durata
la notte ch'i' passai con tanta pieta.
E come quei che con lena affannata
uscito fuor del pelago a la riva
si volge a l'acqua perigliosa e guata,
così l'animo mio, ch'ancor fuggiva,
si volse a retro a rimirar lo passo
che non lasciò già mai persona viva.
Poi ch'èi posato un poco il corpo lasso,
ripresi via per la piaggia diserta,
sì che 'l piè fermo sempre era 'l più basso.
Ed ecco, quasi al cominciar de l'erta,
una lonza leggera e presta molto,
che di pel macolato era coverta;
e non mi si partia dinanzi al volto,
anzi 'mpediva tanto il mio cammino,
ch'i' fui per ritornar più volte vòlto.
Temp'era dal principio del mattino,
e 'l sol montava 'n sù con quelle stelle
ch'eran con lui quando l'amor divino
mosse di prima quelle cose belle;
sì ch'a bene sperar m'era cagione
di quella fiera a la gaetta pelle
l'ora del tempo e la dolce stagione;
ma non sì che paura non mi desse
la vista che m'apparve d'un leone.
Questi parea che contra me venisse
con la test'alta e con rabbiosa fame,
sì che parea che l'aere ne tremesse.
Ed una lupa, che di tutte brame
sembiava carca ne la sua magrezza,
e molte genti fé già viver grame,
questa mi porse tanto di gravezza
con la paura ch'uscia di sua vista,
ch'io perdei la speranza de l'altezza.
E qual è quei che volontieri acquista,
e giugne 'l tempo che perder lo face,
che 'n tutt'i suoi pensier piange e s'attrista;
tal mi fece la bestia sanza pace,
che, venendomi 'ncontro, a poco a poco
mi ripigneva là dove 'l sol tace.
Mentre ch'i' rovinava in basso loco,
dinanzi a li occhi mi si fu offerto
chi per lungo silenzio parea fioco.
Quando vidi costui nel gran diserto,
«Miserere di me», gridai a lui,
«qual che tu sii, od ombra od omo certo!».
Rispuosemi: «Non omo, omo già fui,
e li parenti miei furon lombardi,
mantoani per patria ambedui.
Nacqui sub Iulio, ancor che fosse tardi,
e vissi a Roma sotto 'l buono Augusto
nel tempo de li dèi falsi e bugiardi.
Poeta fui, e cantai di quel giusto
figliuol d'Anchise che venne di Troia,
poi che 'l superbo Ilión fu combusto.
Ma tu perché ritorni a tanta noia?
perché non sali il dilettoso monte
ch'è principio e cagion di tutta gioia?».
«Or se' tu quel Virgilio e quella fonte
che spandi di parlar sì largo fiume?»,
rispuos'io lui con vergognosa fronte.
«O de li altri poeti onore e lume
vagliami 'l lungo studio e 'l grande amore
che m'ha fatto cercar lo tuo volume.
Tu se' lo mio maestro e 'l mio autore;
tu se' solo colui da cu' io tolsi
lo bello stilo che m'ha fatto onore.
Vedi la bestia per cu' io mi volsi:
aiutami da lei, famoso saggio,
ch'ella mi fa tremar le vene e i polsi».
«A te convien tenere altro viaggio»,
rispuose poi che lagrimar mi vide,
«se vuo' campar d'esto loco selvaggio:
ché questa bestia, per la qual tu gride,
non lascia altrui passar per la sua via,
ma tanto lo 'mpedisce che l'uccide;
e ha natura sì malvagia e ria,
che mai non empie la bramosa voglia,
e dopo 'l pasto ha più fame che pria.
Molti son li animali a cui s'ammoglia,
e più saranno ancora, infin che 'l veltro
verrà, che la farà morir con doglia.
Questi non ciberà terra né peltro,
ma sapienza, amore e virtute,
e sua nazion sarà tra feltro e feltro.
Di quella umile Italia fia salute
per cui morì la vergine Cammilla,
Eurialo e Turno e Niso di ferute.
Questi la caccerà per ogne villa,
fin che l'avrà rimessa ne lo 'nferno,
là onde 'nvidia prima dipartilla.
Ond'io per lo tuo me' penso e discerno
che tu mi segui, e io sarò tua guida,
e trarrotti di qui per loco etterno,
ove udirai le disperate strida,
vedrai li antichi spiriti dolenti,
ch'a la seconda morte ciascun grida;
e vederai color che son contenti
nel foco, perché speran di venire
quando che sia a le beate genti.
A le quai poi se tu vorrai salire,
anima fia a ciò più di me degna:
con lei ti lascerò nel mio partire;
ché quello imperador che là sù regna,
perch'i' fu' ribellante a la sua legge,
non vuol che 'n sua città per me si vegna.
In tutte parti impera e quivi regge;
quivi è la sua città e l'alto seggio:
oh felice colui cu' ivi elegge!».
E io a lui: «Poeta, io ti richeggio
per quello Dio che tu non conoscesti,
acciò ch'io fugga questo male e peggio,
che tu mi meni là dov'or dicesti,
sì ch'io veggia la porta di san Pietro
e color cui tu fai cotanto mesti».
Allor si mosse, e io li tenni dietro.
Dante Alighieri
(1265-1321)
*Biografia, análise, crítica, tradução para o português, enfim, quase tudo necessário para se conhecer e compreender a obra de Dante Alighieri:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri
Inferno
Canto I
Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
esta selva selvaggia e aspra e forte
che nel pensier rinova la paura!
Tant'è amara che poco è più morte;
ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.
Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
tant'era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai.
Ma poi ch'i' fui al piè d'un colle giunto,
là dove terminava quella valle
che m'avea di paura il cor compunto,
guardai in alto, e vidi le sue spalle
vestite già de' raggi del pianeta
che mena dritto altrui per ogne calle.
Allor fu la paura un poco queta
che nel lago del cor m'era durata
la notte ch'i' passai con tanta pieta.
E come quei che con lena affannata
uscito fuor del pelago a la riva
si volge a l'acqua perigliosa e guata,
così l'animo mio, ch'ancor fuggiva,
si volse a retro a rimirar lo passo
che non lasciò già mai persona viva.
Poi ch'èi posato un poco il corpo lasso,
ripresi via per la piaggia diserta,
sì che 'l piè fermo sempre era 'l più basso.
Ed ecco, quasi al cominciar de l'erta,
una lonza leggera e presta molto,
che di pel macolato era coverta;
e non mi si partia dinanzi al volto,
anzi 'mpediva tanto il mio cammino,
ch'i' fui per ritornar più volte vòlto.
Temp'era dal principio del mattino,
e 'l sol montava 'n sù con quelle stelle
ch'eran con lui quando l'amor divino
mosse di prima quelle cose belle;
sì ch'a bene sperar m'era cagione
di quella fiera a la gaetta pelle
l'ora del tempo e la dolce stagione;
ma non sì che paura non mi desse
la vista che m'apparve d'un leone.
Questi parea che contra me venisse
con la test'alta e con rabbiosa fame,
sì che parea che l'aere ne tremesse.
Ed una lupa, che di tutte brame
sembiava carca ne la sua magrezza,
e molte genti fé già viver grame,
questa mi porse tanto di gravezza
con la paura ch'uscia di sua vista,
ch'io perdei la speranza de l'altezza.
E qual è quei che volontieri acquista,
e giugne 'l tempo che perder lo face,
che 'n tutt'i suoi pensier piange e s'attrista;
tal mi fece la bestia sanza pace,
che, venendomi 'ncontro, a poco a poco
mi ripigneva là dove 'l sol tace.
Mentre ch'i' rovinava in basso loco,
dinanzi a li occhi mi si fu offerto
chi per lungo silenzio parea fioco.
Quando vidi costui nel gran diserto,
«Miserere di me», gridai a lui,
«qual che tu sii, od ombra od omo certo!».
Rispuosemi: «Non omo, omo già fui,
e li parenti miei furon lombardi,
mantoani per patria ambedui.
Nacqui sub Iulio, ancor che fosse tardi,
e vissi a Roma sotto 'l buono Augusto
nel tempo de li dèi falsi e bugiardi.
Poeta fui, e cantai di quel giusto
figliuol d'Anchise che venne di Troia,
poi che 'l superbo Ilión fu combusto.
Ma tu perché ritorni a tanta noia?
perché non sali il dilettoso monte
ch'è principio e cagion di tutta gioia?».
«Or se' tu quel Virgilio e quella fonte
che spandi di parlar sì largo fiume?»,
rispuos'io lui con vergognosa fronte.
«O de li altri poeti onore e lume
vagliami 'l lungo studio e 'l grande amore
che m'ha fatto cercar lo tuo volume.
Tu se' lo mio maestro e 'l mio autore;
tu se' solo colui da cu' io tolsi
lo bello stilo che m'ha fatto onore.
Vedi la bestia per cu' io mi volsi:
aiutami da lei, famoso saggio,
ch'ella mi fa tremar le vene e i polsi».
«A te convien tenere altro viaggio»,
rispuose poi che lagrimar mi vide,
«se vuo' campar d'esto loco selvaggio:
ché questa bestia, per la qual tu gride,
non lascia altrui passar per la sua via,
ma tanto lo 'mpedisce che l'uccide;
e ha natura sì malvagia e ria,
che mai non empie la bramosa voglia,
e dopo 'l pasto ha più fame che pria.
Molti son li animali a cui s'ammoglia,
e più saranno ancora, infin che 'l veltro
verrà, che la farà morir con doglia.
Questi non ciberà terra né peltro,
ma sapienza, amore e virtute,
e sua nazion sarà tra feltro e feltro.
Di quella umile Italia fia salute
per cui morì la vergine Cammilla,
Eurialo e Turno e Niso di ferute.
Questi la caccerà per ogne villa,
fin che l'avrà rimessa ne lo 'nferno,
là onde 'nvidia prima dipartilla.
Ond'io per lo tuo me' penso e discerno
che tu mi segui, e io sarò tua guida,
e trarrotti di qui per loco etterno,
ove udirai le disperate strida,
vedrai li antichi spiriti dolenti,
ch'a la seconda morte ciascun grida;
e vederai color che son contenti
nel foco, perché speran di venire
quando che sia a le beate genti.
A le quai poi se tu vorrai salire,
anima fia a ciò più di me degna:
con lei ti lascerò nel mio partire;
ché quello imperador che là sù regna,
perch'i' fu' ribellante a la sua legge,
non vuol che 'n sua città per me si vegna.
In tutte parti impera e quivi regge;
quivi è la sua città e l'alto seggio:
oh felice colui cu' ivi elegge!».
E io a lui: «Poeta, io ti richeggio
per quello Dio che tu non conoscesti,
acciò ch'io fugga questo male e peggio,
che tu mi meni là dov'or dicesti,
sì ch'io veggia la porta di san Pietro
e color cui tu fai cotanto mesti».
Allor si mosse, e io li tenni dietro.
Dante Alighieri
(1265-1321)
*Biografia, análise, crítica, tradução para o português, enfim, quase tudo necessário para se conhecer e compreender a obra de Dante Alighieri:
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domingo, agosto 20, 2006
Neruda escreveu este poema com 20 anos. Com todo o erotismo que cantou o corpo de uma mulher, ainda cantava também o seu amor pela natureza.
Veinte poemas de amor y una canción desesperada
Poema I
Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.
Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.
Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
Ah los vasos del pecho! Ah los ojos de ausencia!
Ah las rosas del pubis! Ah tu voz lenta y triste!
Cuerpo de mujer mía, persistirá en tu gracia.
Mi sed, mi ansia sin límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Mais sobre Pablo Neruda em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda
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Pablo Neruda
Um poema sujo pode ter muitas interpretações. Mas a força da poesia de quem o escreveu é pura e cristalina.
Poema Sujo - um fragmento: "Velocidades"
Mas na cidade havia
muita luz,
a vida
fazia rodar o século nas nuvens
sobre nossa varanda
por cima de mim e das galinhas no quintal
por cima
do depósito onde mofavam
paneiros de farinha
atrás da quitanda,
e era pouco
viver, mesmo
no salão de bilhar, mesmo
no botequim do Castro, na pensão
da Maroca nas noites de sábado, era pouco
banhar-se e descer a pé
para a cidade de tarde
(sob o rumor das árvores)
ali
no norte do Brasil
vestido de brim.
E por ser pouco
era muito,
que pouco muito era o verde
fogo da grama, o musgo do muro, o galo
que vai morrer,
a louça na cristaleira,
o doce na compoteira, a falta
de afeto, a busca
do amor nas coisas.
Não nas pessoas:
nas coisas, na muda carne
das coisas, na cona da flor, no oculto
falar das águas sozinhas:
que a vida
passava por sobre nós,
de avião.
Não tem a mesma velocidade o domingo
que a sexta-feira com seu azáfama de compras
fazendo aumentar o tráfego e o consumo
de caldo de cana gelado,
nem tem
a mesma velocidade
a açucena e a maré
com seu exército de borbulhas e ardentes caravelas
a penetrar soturnamente o rio
noutra lentidão que a do crepúsculo
que, no alto,
com sua grande engrenagem escangalhada
moía a luz.
Outra velocidadetem
Bizuza sentada no chão do quarto
a dobrar os lençóis lavados e passados
a ferro, arrumando-os na gaveta da cômoda, como
se a vida fosse eterna.
E era
naquele seu universo de almoços e temperos
de folhas de louro e de pimenta-do-reino
mastruz para tosse braba,
universo
de panelas e canseiras entre as paredes da cozinha
dentro de um surrado vestido de chita,
enfim,
onde batia o seu pequenino coração.
E se não era
eterna a vida, dentro e fora do armário,
o certo é que
tendo cada coisa uma velocidade
(a do melado
escura, clara
a da água
a derramar-se)
cada coisa se afastava
desigualmente
de sua possível eternidade.
Ou
se se quer
desigualmente
a tecia
na sua própria carne escura ou clara
num transcorrer mais profundo que o da semana.
Por isso não é certo dizer
que é no domingo que melhor se vê
a cidade
- as fachadas de azulejo, a Rua do Sol vazia
as janelas trançadas no silêncio -
quando ela
parada
parece flutuar.
E que melhor se vê uma cidade
quando - como Alcântara
todos os habitantes se foram
e nada resta deles (sequer
um espelho de aparador num daqueles
aposentos sem teto) - se não
entre as ruínas
a persistente certeza de que
naquele chão
onde agora crescem carrapichos
eles efetivamente dançaram
(e quase se ouvem vozes
e gargalhadas
que se acendem e apagam nas dobras da brisa)
Mas
se é espantoso pensar
como tanta coisa sumiu, tantos
guarda-roupas e camas e mucamas
tantas e tantas saias, anáguas,
sapatos dos mais variados modelos
arrastados pelo ar junto com as nuvens,
a isso
responde a manhã
que
com suas muitas e azuis velocidades
segue em frente
alegre e sem memória
É impossível dizer
em quantas velocidades diferentes
se move uma cidade
a cada instante
(sem falar nos mortos
que voam para trás)
ou mesmo uma casa
onde a velocidade da cozinha
não é igual à da sala (aparentemente imóvel
nos seus jarros e bibelôs de porcelana)
nem à do quintal
escancarado às ventanias da época
e que dizer das ruas
de tráfego intenso e da circulação do dinheiro
e das mercadorias
desigual segundo o bairro e a classe, e da
rotação do capital
mais lenta nos legumes
mais rápida no setor industrial, e
da rotação do sono
sob a pele,
do sonho
nos cabelos?
e as tantas situações da água nas vasilhas
(pronta a fugir)
a rotação
da mão que busca entre os pentelhos
o sonho molhado os muitos lábios
do corpo
que ao afago se abre em rosa, a mão
que ali se detém a sujar-se
de cheiros de mulher,
e a rotação
dos cheiros outros
que na quinta se fabricam
junto com a resina das árvores e o canto
dos passarinhos?
Que dizer da circulação
da luz solar
arrastando-se no pó debaixo do guarda-roupa
entre sapatos?
e da circulação
dos gatos pela casa
dos pombos pela brisa?
e cada um desses fatos numa velocidade própria
sem falar na própria velocidade
que em cada coisa há
como os muitos
sistemas de açúcar e álcool numa pêra
girando
todos em diferentes ritmos
(que quase
se pode ouvir)
e compondo a velocidade geral
que a pêra é
do mesmo modo que todas essas velocidades mencionadas
compõem
(nosso rosto refletido na água do tanque)
o dia
que passa
- ou passou -
na cidade de São Luís.
E do mesmo modo
que há muitas velocidades num
só dia
e nesse mesmo dia muitos dias
assim
não se pode também dizer que o dia
tem um único centro
(feito um caroço
ou um sol)
porque na verdade um dia
tem inumeráveis centros
como, por exemplo, o pote de água
na sala de jantar
ou na cozinha
em tomo do qual
desordenadamente giram os membros da família.
E se nesse caso
é a sede a força de gravitação
outras funções metabólicas
outros centros geram
como a sentina
a cama
ou a mesa de jantar
(sob uma luz encardida numa
porta-e-janela da Rua da Alegria
na época da guerra)
sem falar nos centros cívicos, nos centros
espíritas, no Centro Cultural
Gonçalves Dias ou nos mercados de peixe,
colégios, igrejas e prostíbulos,
outros tantos centros do sistema
em que o dia se move
(sempre em velocidades diferentes)
sem sair do lugar.
Porque
quando todos esses sóis se apagam
resta a cidade vazia
(como Alcântara)
no mesmo lugar.
Porque
diferentemente do sistema solar
a esses sistemas
não os sustém o sol e sim
os corpos
que em tomo dele giram:
não os sustém a mesa
mas a fome
não os sustém a cama
e sim o sono
não os sustém o banco
e sim o trabalho não pago
E essa é a razão por que
quando as pessoas se vão
(como em Alcântara)
apagam-se os sóis (os
potes, os fogões)
que delas recebiam o calor
essa é a razão
por que em São Luís
donde as pessoas não se foram
ainda neste momento a cidade se move
em seus muitos sistemas
e velocidades
pois quando um pote se quebra
outro pote se faz
outra cama se faz
outra jarra se faz
outro homem
se faz
para que não se extinga
o fogo
na cozinha da casa
O que eles falavam na cozinha
ou no alpendre do sobrado
(na Rua do Sol)
saía pelas janelas
se ouvia nos quartos de baixo
na casa vizinha, nos fundos da Movelaria
(e vá alguém saber
quanta coisa se fala numa cidade
quantas vozes
resvalam por esse intrincado labirinto
de paredes e quartos e saguões,
de banheiros, de pátios, de quintais
vozes
entre muros e plantas,
risos,
que duram um segundo e se apagam)
E são coisas vivas as palavras
e vibram da alegria dó corpo que as gritou
têm mesmo o seu perfume, o gosto
da carne
que nunca se entrega realmente
nem na cama
senão a si mesma
à sua própria vertigem
ou assim falando ou rindo
no ambiente familiar
enquanto como um rato
tu podes ouvir e ver
de teu buraco
como essas vozes batem nas paredes do pátio vazio
na armação de ferro onde seca uma parreira
entre arames
de tarde
numa pequena cidade latino-americana.
E nelas há
uma iluminação mortal
que é da boca
em qualquer tempo
mas que ali
na nossa casa
entre móveis baratos
e nenhuma dignidade especial
minava a própria existência.
Ríamos, é certo,
em torno da mesa de aniversário coberta de pastilhas
de hortelã enroladas em papel de seda colorido,
ríamos, sim,
mas
era como se nenhum afeto valesse
como se não tivesse sentido rir
numa cidade tão pequena.
O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade
mas variados são os modos
como uma coisa
está em outra coisa:
o homem, por exemplo, não está na cidade
como uma árvore está
em qualquer outra
nem como uma árvore
está em qualquer uma de suas folhas
(mesmo rolando longe dela)
O homem não está na cidade
como uma árvore está num livro
quando um vento ali a folheia
a cidade está no homem
mas não da mesma maneira
que um pássaro está numa árvore
não da mesma maneira que um pássaro
(a imagem dele)
está/va na água
e nem da mesma maneira
que o susto do pássaro
está no pássaro que eu escrevo
a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em sua
quitandas praças e ruas
Ferreira Gullar
Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar
Mas na cidade havia
muita luz,
a vida
fazia rodar o século nas nuvens
sobre nossa varanda
por cima de mim e das galinhas no quintal
por cima
do depósito onde mofavam
paneiros de farinha
atrás da quitanda,
e era pouco
viver, mesmo
no salão de bilhar, mesmo
no botequim do Castro, na pensão
da Maroca nas noites de sábado, era pouco
banhar-se e descer a pé
para a cidade de tarde
(sob o rumor das árvores)
ali
no norte do Brasil
vestido de brim.
E por ser pouco
era muito,
que pouco muito era o verde
fogo da grama, o musgo do muro, o galo
que vai morrer,
a louça na cristaleira,
o doce na compoteira, a falta
de afeto, a busca
do amor nas coisas.
Não nas pessoas:
nas coisas, na muda carne
das coisas, na cona da flor, no oculto
falar das águas sozinhas:
que a vida
passava por sobre nós,
de avião.
Não tem a mesma velocidade o domingo
que a sexta-feira com seu azáfama de compras
fazendo aumentar o tráfego e o consumo
de caldo de cana gelado,
nem tem
a mesma velocidade
a açucena e a maré
com seu exército de borbulhas e ardentes caravelas
a penetrar soturnamente o rio
noutra lentidão que a do crepúsculo
que, no alto,
com sua grande engrenagem escangalhada
moía a luz.
Outra velocidadetem
Bizuza sentada no chão do quarto
a dobrar os lençóis lavados e passados
a ferro, arrumando-os na gaveta da cômoda, como
se a vida fosse eterna.
E era
naquele seu universo de almoços e temperos
de folhas de louro e de pimenta-do-reino
mastruz para tosse braba,
universo
de panelas e canseiras entre as paredes da cozinha
dentro de um surrado vestido de chita,
enfim,
onde batia o seu pequenino coração.
E se não era
eterna a vida, dentro e fora do armário,
o certo é que
tendo cada coisa uma velocidade
(a do melado
escura, clara
a da água
a derramar-se)
cada coisa se afastava
desigualmente
de sua possível eternidade.
Ou
se se quer
desigualmente
a tecia
na sua própria carne escura ou clara
num transcorrer mais profundo que o da semana.
Por isso não é certo dizer
que é no domingo que melhor se vê
a cidade
- as fachadas de azulejo, a Rua do Sol vazia
as janelas trançadas no silêncio -
quando ela
parada
parece flutuar.
E que melhor se vê uma cidade
quando - como Alcântara
todos os habitantes se foram
e nada resta deles (sequer
um espelho de aparador num daqueles
aposentos sem teto) - se não
entre as ruínas
a persistente certeza de que
naquele chão
onde agora crescem carrapichos
eles efetivamente dançaram
(e quase se ouvem vozes
e gargalhadas
que se acendem e apagam nas dobras da brisa)
Mas
se é espantoso pensar
como tanta coisa sumiu, tantos
guarda-roupas e camas e mucamas
tantas e tantas saias, anáguas,
sapatos dos mais variados modelos
arrastados pelo ar junto com as nuvens,
a isso
responde a manhã
que
com suas muitas e azuis velocidades
segue em frente
alegre e sem memória
É impossível dizer
em quantas velocidades diferentes
se move uma cidade
a cada instante
(sem falar nos mortos
que voam para trás)
ou mesmo uma casa
onde a velocidade da cozinha
não é igual à da sala (aparentemente imóvel
nos seus jarros e bibelôs de porcelana)
nem à do quintal
escancarado às ventanias da época
e que dizer das ruas
de tráfego intenso e da circulação do dinheiro
e das mercadorias
desigual segundo o bairro e a classe, e da
rotação do capital
mais lenta nos legumes
mais rápida no setor industrial, e
da rotação do sono
sob a pele,
do sonho
nos cabelos?
e as tantas situações da água nas vasilhas
(pronta a fugir)
a rotação
da mão que busca entre os pentelhos
o sonho molhado os muitos lábios
do corpo
que ao afago se abre em rosa, a mão
que ali se detém a sujar-se
de cheiros de mulher,
e a rotação
dos cheiros outros
que na quinta se fabricam
junto com a resina das árvores e o canto
dos passarinhos?
Que dizer da circulação
da luz solar
arrastando-se no pó debaixo do guarda-roupa
entre sapatos?
e da circulação
dos gatos pela casa
dos pombos pela brisa?
e cada um desses fatos numa velocidade própria
sem falar na própria velocidade
que em cada coisa há
como os muitos
sistemas de açúcar e álcool numa pêra
girando
todos em diferentes ritmos
(que quase
se pode ouvir)
e compondo a velocidade geral
que a pêra é
do mesmo modo que todas essas velocidades mencionadas
compõem
(nosso rosto refletido na água do tanque)
o dia
que passa
- ou passou -
na cidade de São Luís.
E do mesmo modo
que há muitas velocidades num
só dia
e nesse mesmo dia muitos dias
assim
não se pode também dizer que o dia
tem um único centro
(feito um caroço
ou um sol)
porque na verdade um dia
tem inumeráveis centros
como, por exemplo, o pote de água
na sala de jantar
ou na cozinha
em tomo do qual
desordenadamente giram os membros da família.
E se nesse caso
é a sede a força de gravitação
outras funções metabólicas
outros centros geram
como a sentina
a cama
ou a mesa de jantar
(sob uma luz encardida numa
porta-e-janela da Rua da Alegria
na época da guerra)
sem falar nos centros cívicos, nos centros
espíritas, no Centro Cultural
Gonçalves Dias ou nos mercados de peixe,
colégios, igrejas e prostíbulos,
outros tantos centros do sistema
em que o dia se move
(sempre em velocidades diferentes)
sem sair do lugar.
Porque
quando todos esses sóis se apagam
resta a cidade vazia
(como Alcântara)
no mesmo lugar.
Porque
diferentemente do sistema solar
a esses sistemas
não os sustém o sol e sim
os corpos
que em tomo dele giram:
não os sustém a mesa
mas a fome
não os sustém a cama
e sim o sono
não os sustém o banco
e sim o trabalho não pago
E essa é a razão por que
quando as pessoas se vão
(como em Alcântara)
apagam-se os sóis (os
potes, os fogões)
que delas recebiam o calor
essa é a razão
por que em São Luís
donde as pessoas não se foram
ainda neste momento a cidade se move
em seus muitos sistemas
e velocidades
pois quando um pote se quebra
outro pote se faz
outra cama se faz
outra jarra se faz
outro homem
se faz
para que não se extinga
o fogo
na cozinha da casa
O que eles falavam na cozinha
ou no alpendre do sobrado
(na Rua do Sol)
saía pelas janelas
se ouvia nos quartos de baixo
na casa vizinha, nos fundos da Movelaria
(e vá alguém saber
quanta coisa se fala numa cidade
quantas vozes
resvalam por esse intrincado labirinto
de paredes e quartos e saguões,
de banheiros, de pátios, de quintais
vozes
entre muros e plantas,
risos,
que duram um segundo e se apagam)
E são coisas vivas as palavras
e vibram da alegria dó corpo que as gritou
têm mesmo o seu perfume, o gosto
da carne
que nunca se entrega realmente
nem na cama
senão a si mesma
à sua própria vertigem
ou assim falando ou rindo
no ambiente familiar
enquanto como um rato
tu podes ouvir e ver
de teu buraco
como essas vozes batem nas paredes do pátio vazio
na armação de ferro onde seca uma parreira
entre arames
de tarde
numa pequena cidade latino-americana.
E nelas há
uma iluminação mortal
que é da boca
em qualquer tempo
mas que ali
na nossa casa
entre móveis baratos
e nenhuma dignidade especial
minava a própria existência.
Ríamos, é certo,
em torno da mesa de aniversário coberta de pastilhas
de hortelã enroladas em papel de seda colorido,
ríamos, sim,
mas
era como se nenhum afeto valesse
como se não tivesse sentido rir
numa cidade tão pequena.
O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade
mas variados são os modos
como uma coisa
está em outra coisa:
o homem, por exemplo, não está na cidade
como uma árvore está
em qualquer outra
nem como uma árvore
está em qualquer uma de suas folhas
(mesmo rolando longe dela)
O homem não está na cidade
como uma árvore está num livro
quando um vento ali a folheia
a cidade está no homem
mas não da mesma maneira
que um pássaro está numa árvore
não da mesma maneira que um pássaro
(a imagem dele)
está/va na água
e nem da mesma maneira
que o susto do pássaro
está no pássaro que eu escrevo
a cidade está no homem
quase como a árvore voa
no pássaro que a deixa
cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma
a cidade não está no homem
do mesmo modo que em sua
quitandas praças e ruas
Ferreira Gullar
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O Brasil seria bem melhor se ainda fôssemos índios sem tanga e a nossa língua o tupi-guarani? Já pensou na amarga ironia do poeta?
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswald de Andrade
(1890-1954)
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Tão verdadeiro, tão atual em todos os tempos. Talvez por isso Hilda tenha sido levada à insanidade.
Poemas aos Homens do nosso tempo
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
***********
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
Hilda Hist
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Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
***********
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
Hilda Hist
(1930-2004)
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Adélia nem de longe é Amália. Mas tem um quê de uma mulher de verdade.
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Adélia Prado
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Adélia Prado
sábado, agosto 19, 2006
Tem sempre um dia em que a nuvem toma a forma de um Demônio. Mesmo que o céu esteja azul.
Alone
From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life- was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.
Edgar Allan Poe
(1809-1849)
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Andava a procurar-se, pobre louca. E também não se achou nunca, como você, eu, todos nós.
Eu
Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!
Andava a procurar-me -Pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
Florbela Espanca
(1894-1930)
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Florbela Espanca
Amar, soa tão fácil e tão lindo nos versos de Drummond. Já na vida real, muitos mais malamares e desamares.
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
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Carlos Drummond de Andrade
Em Despedida, Cecília Meireles procura tudo, não deseja nada. Quer solidão.
Despedida
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo
: quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão. -
Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão.
Cecília Meireles
(1901-1964)
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Cecília Meireles
sexta-feira, agosto 18, 2006
Se a vida jamais cansa, para Quintana também nada continua. Tudo vai recomeçar.
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens do céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
(1906-1994)
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Mario Quintana
Como construía seus poemas, Maiakóvski também declarava o seu grande amor.
Lilitchka!
Em lugar de uma carta.
Fumo de tabaco rói o ar
O quarto -
um capítulo do inferno de Krutchônikh.*
Recorda -
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros....
Acaso as folhas secas destes versos
far te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.
Vladimir Maiakovsky
(1893-1930)
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Vladimir Mayakovsky
"Nasci do amor entre Deus e o Diabo", confessou o poeta. E ainda garantiu, "Sei que não vou por aí".
Cântico Negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
(1901-1969)
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quinta-feira, agosto 17, 2006
O exílio chorado por Vinícius termina com um avigrama. Lindo de chorar.
Pátria minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…"
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
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Vinicius de Moraes
Como Mauro Mota sofreu a vida das tristes meninas do Recife durante a guerra.
Boletim Sentimental da Guerra no Recife
Meninas, tristes meninas,
de mão em mão hoje andais.
Sois autênticas heroínas
da guerra, sem ter rivais.
Lutaste na frente interna
com bravura e destemor.
À vitória aliada destes
o sangue do vosso amor.
Por recônditas feridas,
nãp ganhastes as medalhas,
terminadas as batalhas
de glórias incomprendidas.
Éreis tão boas pequenas.
Éreis pequenas tão boas!
De várias nuanças morenas,
ó filhas de Pernambuco,
da Paraíba e Alagoas.
Tínheis de quinze a vinte anos,
tipos de colegiais,
diante dos americanos,
dos garbosos oficiais
e o segundo time vasto
dos fuzileiros navais
prontos a entregar a vida
para conseguir a paz,
varrer da face do mundo
regimes ditatoriais
e democratizar todas
as terras continentais
a começar pelos sexos
das meninas nacionais.
Iniciou-se então a fase
de convocação e treino
todos os dias na Base.
Ah! com que pressa aprendíeis,
só pela conversa quase!
Dentro de menos de um mês,
sabíeis falar inglês.
E os presentes? Os presentes
eram vossa tentação
coisas que causavam aqui
inveja e admiração:
bolsas plásticas, a blusa
de alvas rendas do Havaí,
bicicletas Made in USA,
verdes óculos Ray Ban.
Era um presente de noite
e outro dado de manhã,
verdadeiras maravilhas
da indústria do Tio Sam.
E as promessas? As promessas
eram vossa sedução.
Acreditáveis que elas
não eram mentira, não.
Um Frazer no aniversário,
passeios de Constellation,
num pulo alcançar Miami,
almoçar na Casa Branca,
descer na Quinta Avenida,
fazer piquet pela Broadway,
ver a premiére no Cine
junto dos artistas, com
eles todos na platéia.
Ouvir, na Ópera House,
numa noite Toscanini,
na outra noite Lili Pons.
Com tanto it e juventude
podíeis testes ganhar,
ser estrelas de Hollywood,
ciúmes de Hedy Lamarr.
Ah! bom tempo em que corríeis,
"pés descalços, braços nus,
atrás das asas ligeiras
das borboletas azuis".
Ó prematuras nulheres,
fostes, na velocidade
dos jeeps, às garçonniéres
da Praia de Piedade.
Quase que se rebentavam
vossos úteros infantis
quando veio o telegrama
da tomada de Paris.
Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fostes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista.
Babies saxonizados,
que só mama vitaminas,
os vossos babies meninas,
em vários cantos gerados,
nas mapples dos automóveis,
no interior das cantinas,
da praia da areia braca,
nas noites sem lua cheia.
Meninas, tristes meninas,
vossos drmas recordai
quando eles no armistício
vos disseram Good bye.
Ouvireis a vida toda
a ressonância do choro
dos vossos filhos sem pai.
Mauro Mota
(1911-1984)
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Mauro Mota
sábado, agosto 12, 2006
Paulo Mendes Campos sempre viveu a poesia. E por que a morte lhe atraía tanto? Vale a pena ler o ensaio de Ivo Coser, também ex-aluno do São Fernando.
O Suicida
Quando subiu do mar a luz ferida,
Ao coração desceu a sombra forte,
Um homem triste foi buscar a morte
Nas ondas, flor do mal aos pés da vida.
Com lucidez tremeu olhando tudo
Como um falcão de súbito no alto
Estremece sentindo o sobressalto
Do abismo que lhe fala porque é mudo
Às vezes vou ali, fico a pensar
Na paz que lhe faltou e que me falta
E no confuso alarme do meu fim.
O infinito silêncio me diz – “salta”,
Enquanto faz-me a brisa respirar
O fumo da cidade atrás de mim.
Paulo Mendes Campos
(1922-1991)
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos
[1] In Palavra Escrita Edições Hipocampo 1951 republicado em Domingo Azul do Mar, Ed. Civilização Brasileira, 1958.
Confesso, e este é um bom início, para uma breve comentário entre amigos, que o que me prendeu neste poema foi o final.
Ou talvez, a ausência de um desenlace que coloque as idéias no seu termo.
Não sei se este poema poderia ser considerado como um dos melhores do autor.
Nele está presente um, se não o seu principal, tema: a morte.
Em À Morte diz o autor :
“Tenho olhos para não estar cego quando chegar/ Tenho mãos para pressenti-la no ar, quando chegar”
Neste poema a incompletidude do autor em realizar todas as suas vocações, a sua triste sina em se perder nas trevas da boemia
–“Meus passos foram passos tortos de bêbado / Minha sabedoria foi uma seqüência de trevas ” -, se une a essa busca da morte.
E a morte está associada as concessões que fazemos para viver, a nossa entrega as trevas da noite boêmia que resulta numa sabedoria de trevas.
Em outra chave mais abstrata, menos relacionada ao dia a dia, a morte aparece associada ao eterno mistério.
Em Cântico a Deus o autor escreve :
“O abismo da morte certa / Sempre terá mais delícia / Que a doce e fria malícia / De tua face encoberta.”.
Neste momento o mistério que envolve Deus, a nossa incapacidade em decifrar seus desígnios, revela-se algo frio em comparação com o quente mistério que envolve a morte.
Como eu dizia o que me envolve neste poema é o seu desfecho.
O poeta reflete sobre o suicida, e sente o mesmo sentimento, “Na paz que lhe faltou e que me falta”.
E não apenas sente o mesmo mas percebe que o abismo das coisas, que nós por estarmos no mesmo nível delas nunca percebemos.
Somente o suicida, porque via do alto da sua queda, pode sentir o sobressalto do abismo. E eu leio o poema e sempre me pergunto porque ele não salta ?
Afinal é o que o infinito lhe diz : Salta. S
eria porque a brisa traz o fumo da cidade ?
Mas o autor não indica que o que lhe interrompe o salto seja a cidade com sua vida, sua luta, seus problemas.
Ao contrário, o autor menciona em A Pantera a cidade como o lugar das concessões, da perda de sentido da vida : Olha na rua em atropelo, / A ferocidade melancólica do homem,/ A alma pesada feito um móvel / Suja de concessões que se alastram.../”.
Se a cidade é este espaço por que não saltar ?
A resposta se arma na ausência de um desfecho, porque só nos resta viver.
Mas não vamos viver com a esperança de que em algum momento encontraremos um segredo, que justificaria o fato de nós nos determos detido à beira do abismo.
Continuamos e o que encontramos no dia a dia é a marca da morte:
Porque os dias são às vezes as palavras / Do discurso da morte em nosso peito.
No seu poema chamado ironicamente Hino À Vida o poeta descreve esse continuar sem esperança :
“Continuar / A despeito de humilhações, do medo (...) Continuar porque não se pode senão continuar/ Emparedado em dois tempos / Toda a podridão do remorso / Toda vontade de não continuar/;
e no grand finale do poema, repleto de som e desespero :
Porque, se parássemos, ouviríamos um estrondo / E depois, perturbados, o silêncio do que somos.”
A sensação da ausência de um desfecho percebo eu agora, é o resultado de uma expectativa de um final que trouxesse ou o suicídio ou a percepção de que alguma coisa, um amor ou uma luta social, poderia redimir o poeta.
Mas não, o desespero é mais agudo, somente podemos continuar repletos de desespero.
Ivo Coser.
Em algum dia de 2004
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Paulo Mendes Campos
sexta-feira, agosto 04, 2006
Ei, você aí, o que você fez da sua juventude?
Le ciel est par-dessus le toit
Le ciel est, par-dessus le toit,
Si bleu, si calme !
Un arbre, par-dessus le toit,
Berce sa palme.
La cloche, dans le ciel qu'on voit,
Doucement tinte.
Un oiseau sur l'arbre qu'on voit
Chante sa plainte.
Mon Dieu, mon Dieu, la vie est là,
Simple et tranquille.
Cette paisible rumeur-là
Vient de la ville.
- Qu'as-tu fait, ô toi que voilà
Pleurant sans cesse,
Dis, qu'as-tu fait, toi que voilà,
De ta jeunesse ?
Paul Verlaine
(1844-1898)
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Paul Verlaine
Até o Verlaine, quem diria, sofria com a eterna dúvida. Morena ou loura?
Es-tu brune ou blonde ?
Es-tu brune ou blonde ?
Sont-ils noirs ou bleus,
Tes yeux ?
Je n'en sais rien mais j'aime leur clarté profonde,
Mais j'adore le désordre de tes cheveux.
Es-tu douce ou dure ?
Est-il sensible ou moqueur,
Ton coeur ?
Je n'en sais rien mais je rends grâce à la nature
D'avoir fait de ton coeur mon maître et mon vainqueur.
Fidèle, infidèle ?
Qu'est-ce que ça fait,
Au fait
Puisque toujours dispose à couronner mon zèle
Ta beauté sert de gage à mon plus cher souhait.
Paul Verlaine
(1844-1896)
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Que este amor não me cegue nem me siga. Lucidez maior, impossível.
Que este amor não me cegue nem me siga
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
Hilda Hilst
(1930-2004)
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