quinta-feira, agosto 17, 2006
Como Mauro Mota sofreu a vida das tristes meninas do Recife durante a guerra.
Boletim Sentimental da Guerra no Recife
Meninas, tristes meninas,
de mão em mão hoje andais.
Sois autênticas heroínas
da guerra, sem ter rivais.
Lutaste na frente interna
com bravura e destemor.
À vitória aliada destes
o sangue do vosso amor.
Por recônditas feridas,
nãp ganhastes as medalhas,
terminadas as batalhas
de glórias incomprendidas.
Éreis tão boas pequenas.
Éreis pequenas tão boas!
De várias nuanças morenas,
ó filhas de Pernambuco,
da Paraíba e Alagoas.
Tínheis de quinze a vinte anos,
tipos de colegiais,
diante dos americanos,
dos garbosos oficiais
e o segundo time vasto
dos fuzileiros navais
prontos a entregar a vida
para conseguir a paz,
varrer da face do mundo
regimes ditatoriais
e democratizar todas
as terras continentais
a começar pelos sexos
das meninas nacionais.
Iniciou-se então a fase
de convocação e treino
todos os dias na Base.
Ah! com que pressa aprendíeis,
só pela conversa quase!
Dentro de menos de um mês,
sabíeis falar inglês.
E os presentes? Os presentes
eram vossa tentação
coisas que causavam aqui
inveja e admiração:
bolsas plásticas, a blusa
de alvas rendas do Havaí,
bicicletas Made in USA,
verdes óculos Ray Ban.
Era um presente de noite
e outro dado de manhã,
verdadeiras maravilhas
da indústria do Tio Sam.
E as promessas? As promessas
eram vossa sedução.
Acreditáveis que elas
não eram mentira, não.
Um Frazer no aniversário,
passeios de Constellation,
num pulo alcançar Miami,
almoçar na Casa Branca,
descer na Quinta Avenida,
fazer piquet pela Broadway,
ver a premiére no Cine
junto dos artistas, com
eles todos na platéia.
Ouvir, na Ópera House,
numa noite Toscanini,
na outra noite Lili Pons.
Com tanto it e juventude
podíeis testes ganhar,
ser estrelas de Hollywood,
ciúmes de Hedy Lamarr.
Ah! bom tempo em que corríeis,
"pés descalços, braços nus,
atrás das asas ligeiras
das borboletas azuis".
Ó prematuras nulheres,
fostes, na velocidade
dos jeeps, às garçonniéres
da Praia de Piedade.
Quase que se rebentavam
vossos úteros infantis
quando veio o telegrama
da tomada de Paris.
Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fostes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista.
Babies saxonizados,
que só mama vitaminas,
os vossos babies meninas,
em vários cantos gerados,
nas mapples dos automóveis,
no interior das cantinas,
da praia da areia braca,
nas noites sem lua cheia.
Meninas, tristes meninas,
vossos drmas recordai
quando eles no armistício
vos disseram Good bye.
Ouvireis a vida toda
a ressonância do choro
dos vossos filhos sem pai.
Mauro Mota
(1911-1984)
Mais sobre Mauro Mota em
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