sábado, agosto 12, 2006

Paulo Mendes Campos sempre viveu a poesia. E por que a morte lhe atraía tanto? Vale a pena ler o ensaio de Ivo Coser, também ex-aluno do São Fernando.


O Suicida


Quando subiu do mar a luz ferida,
Ao coração desceu a sombra forte,
Um homem triste foi buscar a morte
Nas ondas, flor do mal aos pés da vida.

Com lucidez tremeu olhando tudo
Como um falcão de súbito no alto
Estremece sentindo o sobressalto
Do abismo que lhe fala porque é mudo

Às vezes vou ali, fico a pensar
Na paz que lhe faltou e que me falta
E no confuso alarme do meu fim.

O infinito silêncio me diz – “salta”,
Enquanto faz-me a brisa respirar
O fumo da cidade atrás de mim.

Paulo Mendes Campos
(1922-1991)

Mais sobre Paulo Mendes Campos em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos


[1] In Palavra Escrita Edições Hipocampo 1951 republicado em Domingo Azul do Mar, Ed. Civilização Brasileira, 1958.


Confesso, e este é um bom início, para uma breve comentário entre amigos, que o que me prendeu neste poema foi o final.
Ou talvez, a ausência de um desenlace que coloque as idéias no seu termo.
Não sei se este poema poderia ser considerado como um dos melhores do autor.
Nele está presente um, se não o seu principal, tema: a morte.
Em À Morte diz o autor :
“Tenho olhos para não estar cego quando chegar/ Tenho mãos para pressenti-la no ar, quando chegar”
Neste poema a incompletidude do autor em realizar todas as suas vocações, a sua triste sina em se perder nas trevas da boemia
–“Meus passos foram passos tortos de bêbado / Minha sabedoria foi uma seqüência de trevas ” -, se une a essa busca da morte.
E a morte está associada as concessões que fazemos para viver, a nossa entrega as trevas da noite boêmia que resulta numa sabedoria de trevas.
Em outra chave mais abstrata, menos relacionada ao dia a dia, a morte aparece associada ao eterno mistério.
Em Cântico a Deus o autor escreve :
“O abismo da morte certa / Sempre terá mais delícia / Que a doce e fria malícia / De tua face encoberta.”.
Neste momento o mistério que envolve Deus, a nossa incapacidade em decifrar seus desígnios, revela-se algo frio em comparação com o quente mistério que envolve a morte.
Como eu dizia o que me envolve neste poema é o seu desfecho.
O poeta reflete sobre o suicida, e sente o mesmo sentimento, “Na paz que lhe faltou e que me falta”.
E não apenas sente o mesmo mas percebe que o abismo das coisas, que nós por estarmos no mesmo nível delas nunca percebemos.
Somente o suicida, porque via do alto da sua queda, pode sentir o sobressalto do abismo. E eu leio o poema e sempre me pergunto porque ele não salta ?
Afinal é o que o infinito lhe diz : Salta. S
eria porque a brisa traz o fumo da cidade ?
Mas o autor não indica que o que lhe interrompe o salto seja a cidade com sua vida, sua luta, seus problemas.
Ao contrário, o autor menciona em A Pantera a cidade como o lugar das concessões, da perda de sentido da vida : Olha na rua em atropelo, / A ferocidade melancólica do homem,/ A alma pesada feito um móvel / Suja de concessões que se alastram.../”.
Se a cidade é este espaço por que não saltar ?
A resposta se arma na ausência de um desfecho, porque só nos resta viver.
Mas não vamos viver com a esperança de que em algum momento encontraremos um segredo, que justificaria o fato de nós nos determos detido à beira do abismo.
Continuamos e o que encontramos no dia a dia é a marca da morte:
Porque os dias são às vezes as palavras / Do discurso da morte em nosso peito.
No seu poema chamado ironicamente Hino À Vida o poeta descreve esse continuar sem esperança :
“Continuar / A despeito de humilhações, do medo (...) Continuar porque não se pode senão continuar/ Emparedado em dois tempos / Toda a podridão do remorso / Toda vontade de não continuar/;
e no grand finale do poema, repleto de som e desespero :
Porque, se parássemos, ouviríamos um estrondo / E depois, perturbados, o silêncio do que somos.”
A sensação da ausência de um desfecho percebo eu agora, é o resultado de uma expectativa de um final que trouxesse ou o suicídio ou a percepção de que alguma coisa, um amor ou uma luta social, poderia redimir o poeta.
Mas não, o desespero é mais agudo, somente podemos continuar repletos de desespero.

Ivo Coser.
Em algum dia de 2004

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