quarta-feira, abril 29, 2009

Murilo Mendes publicou este poema no seu livro "História do Brasil", em 1932. Nos últimos 77 anos parece que muita coisa mudou, sempre para pior.


Hino do deputado


Chora, meu filho, chora.
Ai, quem não chora não mama,
Quem não mama fica fraco,
Fica sem força pra vida,
A vida é luta renhida,
Não é sopa, é um buraco.
Se eu não tivesse chorado
Nunca teria mamado,
Não estava agora cantando,
Não teria um automóvel,
Estaria caceteado,
Assinando promissória,
Quem sabe vendendo imóvel
A prestação ou sem ela,
Ou esperando algum tigre
Que talvez desse amanhã,
Ou dando um tiro no ouvido,
Ou sem olho, sem ouvido,
Sem perna, braço, nariz.

Chora, meu filho, chora,
Ante-ontem, ontem, hoje,
Depois de amanhã, amanhã.
Não dorme, filho, não dorme,
Se você toca a dormir
Outro passa na tua frente
Carrega com a mamadeira.
Abre o olho bem aberto,
Abre a boca bem aberta,
Chore até não poder mais.

Murilo Mendes
(1901-1975)

Mais sobre Murilo Mendes em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Murilo_Mendes

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