terça-feira, março 23, 2010
A virgem morena pedia pecado, mas a morte beijou a virgem. Nos versos de Di Cavalcanti, pintor e poeta.
O beijo
A virgem morena
Pedia pecado.
Na noite do medo,
No lago das cobras,
Os olhos de fogo
Da virgem morena
Queriam desgraças,
Queriam paixão...
O vento açoitava;
As flores dolentes
De espasmo murchavam.
A virgem morena
Pedia pecado.
As pernas molhadas
De água cheirosa
Abriam-se em galho
No negro do céu.
Os seios da virgem,
O' seios da virgem!
Dois lírios de ouro.
A virgem morena
Pedia pecado.
A virgem morena
É a deusa do mal?
Assim contaram-me no barranco
do Rio Grande...
É aquela que mata
Os homens fogosos
Que tentam beijá-la?
É a morta viva dos infernos?
Não tem coração nem alma
Aquela que só deseja o dia
E vive na treva?
É ela a rainha de mil desejos flagelada?
A virgem morena
Pedia pecado.
Caiam dos ramos
Os frutos de sangue
Corujas e bruxas
Dançavam no ar,
As pombas noturnas
Morriam de amor.
A virgem morena
Pedia pecado.
Por que essa angústia
Na incompreendida virgem?
Este céu negro
E o visgo verde das folhas venenosas?
Por que tanta coisa maldita
Cercando o corpo da virgem?
A virgem morena
Pedia pecado.
A morte beijou a virgem.
Gritavam caiporas
Uivavam as antas,
As onças hurlavam,
As cobras mordiam
As ancas das éguas.
O' gritos de corvos!
O' risos de loucos!
A morte beijou a virgem.
Nunca ninguém soube seu nome,
Seu corpo virou terra,
A erva daninha,
Nasceu pela terra
Com espinhos ferindo os pés dos homens.
A virgem morena
Pedia pecado.
Emiliano di Cavalcanti
(1897-1976)
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