quinta-feira, março 18, 2010
Para João Cabral, o pior que existe no suicídio é o palavrório que enreda o caixão e o velório. Nos enterros, falam o medo e até mesmo os mudos.
Sujam o suicídio
O pior que existe no suicídio,
por limpo que seja, ou de tiro;
ou o suicídio por barbitúricos,
em que a dormir se cruza o muro;
pior que o incômodo resíduo
que se há de tratar como um vivo,
que há de lavar, barbear, pentear,
para a viagem que empreenderá;
o pior que há nele é o palavrório
que enreda o caixão e o velório
na oral, tropical, floração
que saliva a nossa nação.
Na verdade, onde mais o medo
é falador é nos enterros.
No enterro, falam mesmo os mudos,
e, se de suicida, falam duplo.
Ninguém deixa a mínima brecha
para a morte-Rilke, a da Igreja
e de outros que fazem da Porta
uma celebração deleitosa.
O Padre sabe: não há frestra
onde a transcendência ele meta
no falatório, mato fechado
que nem pode abrir-se a machado
(Enquanto isso, pensa? o cadáver:
maçada! não pude evaporar-me;
enfim: não se vende em balcão,
ainda, o suicidar-se de avião).
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
(/code)
(code)
Marcadores:
João Cabral de Melo Neto
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário