domingo, março 14, 2010
O frade de Álvares de Azevedo amara uma perdida, que loucura, mas tão bela, que seio de Madona. Ele nunca amara tão nívea criatura como aquela mulher.
O poema do frade*
Dorme! Ao colo do amor, pálida amante,
repousa, sonhador, nos lábios dela!
Qual em seio de mãe, febril infante!
No olhar, nos lábios da infantil donzela
inebria teu seio palpitante!
O murmúrio do amor em forma bela
tem doçuras que esmaiam no desejo
dos sonhos ao vapor, na onda de um beijo!
Que importa a perdição manchasse um dia
a altura virginal das roupas santas
e o mundo a esse corpo que tremia
rompese o véu que tímido alevantas?
E à noite lhe pousasse a fronte fria
nesse leito em que trêmulo te encantas
e ao bafejo venal murchasse flores,
flores que abriam a infantis amores?
Que importa? se o amor teu rosto beija,
se a beijas nua e sobre o peito dela
teu peito juvenil ama e lateja!
Se tua langue palidez revela
que tua alma febril sonha e deseja,
desmaiar-lhe de amor, gemer com ela,
ébrio da vida, a soluçar d'enleio,
pálido sonhador morrer-lhe ao seio!
Que importa o mundo além? Teu mundo é esse
onde na vida o coração te alegra!
Teu mundo é o serafim que às noites desce
e que lava no amor a mancha negra!
É a névoa de luz onde não lê-se
escrita à porta vil a infame regra
que assinala o bordel à mão poluta
e diz nas letras fundas - prostituta!
A essa pobre mulher na fronte bela
anátema escreveu a turba fria!
Banhe o remorso o travesseiro dela,
corram-lhe a mil da pálpebra sombria
prantos do coração, não há erguê-la
a eterna maldição. E quem diria
a solitária dor, da noite ao manto
que lavra o seio à cortesã em pranto?
Ah! Madalenas míseras! Ardentes
quantos olhos azuis se não inundam
nos transes do prazer em prantos quentes
quando os seios febris em ais abundam,
que o amante nos ósculos trementes
crê sonhos que do amor no mar se afundam!
Que suspiros no beijo que delira
que são lágrimas só! que são mentira!
E quantas vezes na cheirosa seda
da longa trança desatada, solta,
onde o moço de gozos embebeda
a fronte à febre juvenil revolta;
quando a vida, o frescor, a imagem leda
de esp'rança que morreu ao leito volta;
as lágrimas na dor ferventes correm...
Como em céu de verão estrelas morrem?
Ah! não chores! Que valem perfumadas
do Oriente as manhãs e céus e lua
e a natureza a vir entre alvoradas
e a láurea do porvir que sangue sua,
o val deserto, as noites estreladas
quando lânguida a vida em ais flutua!
Quando um suspiro as lágrimas apaga
e o lábio treme, e em beijos se embriaga?
Amar uma perdida! que loucura!
Mas tão bela! que seio de Madona!
Nunca amara tão nívea criatura
como aquela mulher que ali ressona!
Álvares de Azevedo
(1831-1852)
Mais sobre Álvares de Azevedo em
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvares_de_Azevedo
*Fragmento da Canto Segundo
(/code)
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