sexta-feira, dezembro 04, 2009
Se o povo alemão tivesse ouvido Brecht, não teria havido o horror do nazismo. Mas os seus versos estão vivos, os ovos das serpentes continuam por aí.
Cartilha de guerra alemã
O pintor fala da grande época por vir
As florestas ainda crescem.
Os campos ainda produzem.
As cidades ainda existem.
Os homens ainda respiram.
Quando o pintor fala sobre a paz através dos alto-falantes
Os trabalhadores de construção olham para
As auto-estradas e vêem
Cimento espesso, próprio
Para tanques pesados.
O pintor fala de paz.
Aprumando as costas doloridas
As mãos grossas em tubos de canhões
Os fundidores o escutam.
Os pilotos dos bombardeiros
Desaceleram os motores e ouvem
O pintor falar de paz.
Os madeireiros param no silêncio dos bosques
Os camponeses deixam de lado o arado e colocam a mão atrás do ouvido
As mulheres que levam a comida para o campo se detêm:
No terreno revolvido há um carro com amplificador. De lá se ouve
O pintor pedir paz.
Os de cima dizem: guerra e paz
São de substância diferente
Mas a sua guerra e a sua paz
São como tempestade e vento.
A guerra nasce da sua paz
Como a criança da mãe
Ela tem
Os mesmo traços terríveis.
A sua guerra mata
O que a sua paz
Deixou de resto.
No muro estava escrito com giz:
Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
Os de cima
Juntaram-se em uma reunião.
Homem da rua
Deixa de esperança.
Os governos
Assinam pactos de não-agressão.
Homem da rua
Assina teu testamento.
Quando os de cima falam de paz
A gente pequena
Sabe que haverá guerra.
Quando os de cima amaldiçoam a guerra
As ordens de alistamento já estão preenchidas.
A guerra que virá
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última terminou
Havia vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo miúdo
Sofria fome. Entre os vencedores
Sofria fome o povo miúdo.
Os de cima dizem que no exército
Reina fraternidade.
A verdade disso se percebe
Na cozinha.
Nos corações deve haver
O mesmo ânimo.
Mas nos pratos
Há dois tipos de comida.
No momento de marchar, muitos não sabem
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.
General, teu tanque é um carro poderoso
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista.
General, teu bombardeio é poderoso.
Ele voe mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.
General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.
Quando a guerra começar
Seus irmão se transformarão talvez
De modo que seus rostos não serão reconhecíveis.
Mas vocês devem permanecer os mesmos.
Eles irão à guerra, mas
Não como a uma matança, e sim
Como a um trabalho sério. Tudo
Terão esquecido. Mas vocês
Nada deverão ter esquecido.
Vocês receberão aguardente na garganta
Como todos os outros.
Mas deverão permanecer sóbrios.
Bertolt Brecht
(1898-1956)
Mais sobre Bertolt Brecht em
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