domingo, dezembro 13, 2009

Álvaro de Campos sente-se só. Só como ninguém ainda esteve.


Não sei


Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória...
Para que serve qualquer história,
Ou qualquer fato?

Estou só, só como ninguém ainda esteve,
Oco dentro de mim, sem depois nem antes,
Parece que passam sem ver-me os instantes,
Mas passam sem que o seu passo seja leve.

Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi.

Não ser nada, ser uma figura de romance,
Sem vida, sem morte material, uma idéia,
Qualquer coisa que nada tornasse útil ou feia,
Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe.

Álvaro de Campos, um dos heterônimos de

Fernando Pessoa
(1888-1935)

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