domingo, novembro 22, 2009
Quem dá aos pobres, empresta a Deus. Neste poema, Castro Alves se colocou à frente da campanha de ajuda aos órfãos dos heróis da Guerra do Paraguai.
Quem dá aos pobres, empresta a Deus.
Eu, Que a pobreza de meus pobres cantos
Dei aos heróis—aos miseráveis grandes—,
Eu, que sou cego, —mas só peço luzes...
Que sou pequeno, — mas só fito os Andes....
Canto nest'hora, como o bardo antigo
Das priscas eras, que bem longe vão,
O grande nada dos heróis, que dormem
Do vasto pampa no funéreo chão...
Duas grandezas neste instante cruzam-se!
Duas realezas hoje aqui se abraçam!...
Uma—é um livro laureado em luzes...
Outra— uma espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro de ombrear coto sabre...
Nem cora o sabre de chamá-lo irmão...
Quando em loureiros se biparte o gládio
Do vasto pampa no funéreo chão.
E foram grandes teus heróis, ó pátria,
—Mulher fecunda, que não cria escravos —,
Que ao trom da guerra soluçaste aos filhos:
"Parti — soldados, mas voltei-me — bravos!
E qual Moema desgrenhada, altiva,
Eis tua prole, que se arroja então,
De um mar de glórias apartando as vagas
Do vasto pampa no funéreo chão.
E esses Leandros do Helesponto novo
Se resvalaram — foi no chão da história...
Se tropeçaram — foi na eternidade...
Se naufragaram—foi no mar da glória...
E hoje o que resta dos heróis gigantes?...
Aqui — os filhos que vos pedem pão...
Além — a ossada, que branqueia a lua,
Do vasto pampa no funéreo chão.
Ai! quantas vezes a criança loura
Seu pai procura pequenina e nua,
E vai, brincando co'o vetusto sabre,
Sentar-se à espera no portal da rua...
Mísera mãe, sobre teu peito aquece
Esta avezinha, que não tem mais pão!...
Seu pai descansa — fulminado cedro —
Do vasto pampa no funéreo chão.
Mas, já que as águias lá no sul tombaram
E os filhos d'águias o Poder esquece...
"'É grande, é nobre, é gigantesco, é santo!...
Lançai— a esmola, e colhereis—a prece!.
Oh! dai a esmola... que do infante lindo
Por entre os dedos da pequena mão,
Ela transborda... e vai cair nas tumbas
Do vasto pampa no funéreo chão
Há duas cousas neste mundo santas:
- O rir do infante, - o descansar do morto...
O berço - é a barca, que encalhou na vida,
A cova - é a barca do sidéreo porto...
E vós dissesses para o berço - Avante! -
Enquanto os nautas, que ao Eterno vão,
Os ossos deixam, qual na praia as âncoras,
Do vasto pampa no funéreo chão.
É santo o laço, em qu'hoje aqui s'estreitam
De heróicos troncos - os rebentos novos - !
É que são gêmeos dos heróis os filhos,
Inda que filhos de diversos povos!
Sim! me parece que nest'hora augusta
Os mortos saltam da feral mansão...
E um "bravo!" altivo de além-mar partindo
Rola do pampa no funéreo chão!...
Castro Alves
(1847-1871)
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