sexta-feira, novembro 06, 2009
O que se diz ao editor a propósito de poemas, segundo João Cabral de Melo.
O que se diz ao editor a propósito de poemas
Eis mais um livro (fio que o último)
de um incurável pernambucano;
se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.
E preciso logo enbalsamá-lo:
enquanto ele me conviva, vivo,
está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado,
terminará ganhando outro pâncreas;
e se o pulmão não pode outro estilo
(esta dicção de tosse e gagueira),
me esgota, vivo em mim, livro-umbigo.
Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, esboçado,
nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do datilografá-lo.
Um poema é o que há de mais instável:
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.
Um poema é sempre, como um câncer:
que química, cobalto, indivíduo
parou os pés desse potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.
João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo Neto em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
(/code)
(code)
Marcadores:
João Cabral de Melo Neto
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Estava fazendo o vestibular da UFRGS e me deparei com esse poema fantástico. Fui pôr no meu orkut e, ainda bem, encontrei esta página em primeiro lugar no google. Texto completo, certinho. Valeu!
Postar um comentário