Maio 1964
Na leiteira a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio.
Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.
Mas quantos amigos presos!
quantos em cárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.
Há muitas famílias sem rumo esta tarde
nos subúrbios de ferro e gás
onde brinca irremida a infância da classe operária.
Estou aqui. O espelho
não guardará a marca deste rosto,
se simplesmente saio do lugar
ou se morro
se me matam.
Estou aqui e não estarei, um dia,
em parte alguma.
Que importa, pois?
A luta comum me acende o sangue
e me bate no peito
como o coice de uma lembrança.
Ferreira Gullar
Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar
2 comentários:
Muito legal o blog de vocês, viu?!
Eu leio sempre, pq tenho o contato de vcs no orkut há algum tempo,mas nunca comentava, hehe!
Só que de uns tempos para cá eu tenho postado sempre no meu e com isso voltei a blogsfera de vez.
Agor serei presença constante, já linkei nos meus blogs preferidos!
é bonito voltar no tempo e conhecer no poema uma realidade antes somente vista em vídeos.
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