segunda-feira, dezembro 22, 2008
Para João Cabral de Melo, até os anos quarenta o Recife era como os dedos da aranha. Se espalhava em pesadelos, presentes no sono de todo recifense.
Uma evocação do Recife
O Recife até os anos quarenta
era como os dedos da aranha
que iam cada dia mais longe;
os dedos: as linhas de bonde.
Ninguém falava de seu bairro.
mas desses dedos espalmados
que as linhas de bonde varavam
e a seu lado cristalizavam.
Mora-se na linha do Monteiro,
passado já o Caldeireiro,
depois porém da própria praça
do Monteiro, na Porta d'Água,
mas um pouco antes de Apipucos,
do açude que dá nome ao cujo.
O Recife de então se espalha
aonde o levavam suas garras,
se esgueirando entre as línguas secas
que a maré entre os dedos deixa:
mas que deixa até onde deixa:
ao onde que, ausente das letras,
está presente como mangues
de olhos de água cega, estanques,
que em pesadelo estão presentes
no sono de todo recifense.
João Cabral de Melo
(1920-1999)
Mais sobre João Cabral de Melo em
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