quinta-feira, dezembro 11, 2008

Paulo Mendes Campos conta em versos o sonho de uma infância. Foi como ele viu a fantasia e a tristeza de seu ser.


Sonho de uma infância


Meu sonho, breve emoção.
A tarde deitada no limoeiro.
Paralelas de aço se agarrando no longe.
Há muito tempo que fui infeliz.
E desconhecia meu corpo embrulhado nas vestes.
Um cisne repetia o facílimo soneto do exílio.
Animais do ar esvoaçavam.
Flores se assustavam, muito altas, olhando o momento.
Nascia por nascer a vida tímida.
Os minutos respiravam cadenciados
Como a criança próxima à grande cachoeira.
Breve emoção da pedra, meu sonho
Ficava difícil,
Sol entre constelações remotas.
Sempre a palavra de um poema se perdia.
Um barco remava entre chamas, um coração se consumia,
A noite erguida apagava o meu desejo de pensar.
Vi como se desprende de um pântano a garça nua.

Vi a fantasia e a tristeza de meu ser.
Foi há muito, entre o mineral silencioso,
Há muito tempo que nasci da infância para crescer
Entre milícias douradas que marchavam cantando.

Deixarei meu destino como a pátria.
Renovando a aventura, reinarei entre vós.
Sonhos fiéis.
Sobe a fumaça na caligem de uma tarde chuvosa.
Sinto o aroma feliz do bife,
A friagem do ladrilho onde estraçalho um besouro,
O tinir da louça, a água caindo no zinco.
Estamos grandes, do tamanho de um defunto.
Morte, emoção de meu sonho.
Surda floresta que voa no vendaval e se esfacela.

Paulo Mendes Campos
(1922-1991)

Mais sobre Paulo Mendes Campos em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Mendes_Campos

Nenhum comentário: