sexta-feira, dezembro 26, 2008

A seu tempo vão me chorar e esquecer, descobriu Adélia Prado. Aos quarenta anos, diz ela, não quero faca nem queijo, quero a fome.


Tempo


A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Fliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.

Adélia Prado

Mais sobre Adélia Prado em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado

Um comentário:

cristinasiqueira disse...

Belíssimo este poema de Adélia Prado.
Um dia entendi de dizer este poema ,tomada pelo destino de estrela.
E fui andando por São Paulo dizendo baixinho o poema.
E no metro Consolação,me lembro bem,eu dizia alto o poema tomada pela emoção.Foi sem querer,eu juro.
E de repente fui aplaudida e quase morri de vergonha e susto.
Adorei José Antõnio.Admiro seu trabalho e bom gosto literário.
Pesquisa,prazer,organização e generosidade.
Obrigada,

Cris