Desde o chão
A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.
O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombras das palavras.
Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras -
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extrema,
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.
Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.
(1923-2005)
Mais sobre Eugénio de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eug%C3%A9nio_de_Andrade
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