segunda-feira, novembro 21, 2011

A cidade surda de rock não sabe ainda que a garça voltou. E está lá agora na lagoa, real e implausível, como o poema que o Gullar não consegue escrever.


Na Lagoa

A cidade
debruçada sobre
seus afazeres surda
de rock
não sabe ainda
que a garça
voltou.

Faz pouco, longe
daqui entre aves
lacustres a notícia
correu: a lagoa
rodrigo de freitas
está assim de tainhas!
- oba, vamos lá
dar o ar
de nossa graça
disse a garça

e veio:

desceu
do céu azul
sobre uma pedra
do aterro
a branca filha das lagoas

e está lá agora
real e implausível
como o poema
que o gullar não consegue escrever

Ferreira Gullar
(1930)

Mais sobre Ferreira Gullar em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar


2 comentários:

Sól_ARTE disse...

Esse é um dos poemas mais poderosos, no meu ver, de Ferreira Gullar. O momento é sempre sua pedra angular. Gullar capta o instante e o nado e o coloca em perspectiva num tom maestral. Enquanto a cidade corre para lá e para cá, a natureza está lá, seguindo,culta e intocável, seu percurso que a vida lhe magestosamente se lhe empoe.

Luís Henrique Serra disse...

Para mim, esse é um dos poemas mais poderosos de Ferreira Gullar. A cidade, enquanto amanhece surda de uma vida arrasadora e tendo que correr para um momento sofredor que ela mesma se impõe, a natureza se contrapõe, bela e feliz, seguindo o curso que a própria vida se lhe empoe.