sexta-feira, julho 09, 2010
Na mesa do café, Mário de Sá-Carneiro busca os traços da sua vida passada. E espera a vida que nunca vem ter com ele.
Cinco Horas
Minha mesa no Café,
Quero-lhe tanto...A garrida
Toda de pedra brunida
Que linda e que fresca é!
Um sifão verde no meio
E, ao seu lado, a fosforeira
Diante ao meu corpo cheio
Duma bebida ligeira.
(Eu bani sempre os licores
Que acho pouco ornamentais:
Os xaropes têm cores
Mais vivas e mais brutais).
Sobre ela posso escrever
Os meus versos prateados,
Com estranheza dos criados
Que me olham sem perceber...
Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.
Ou acendendo cigarros,
- Pois há um ano que fumo -
Imaginário presumo
Os meus enredos bizarros.
(E se acaso em minha frente
Uma linda mulher brilha,
O fumo da cigarrilha
Vai beijá-la, claramente...).
Um novo freguês que entra
É novo actor no tablado,
Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.
E o carmim daquela boca
Que ao fundo descubro, triste,
Na minha idéia persiste
E nunca mais se desloca.
Cinge tais futilidades
A minha recordação,
E destes vislumbres são
As minhas maiores saudades...
(Que história d'Oiro tão bela
Na minha vida abortou:
Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou...).
Nos Cafés espero a vida
Que nunca vem ter comigo:
- Não me faz nenhum castigo,
Que o tempo passa em corrida.
Passar tempo é o meu fito,
Ideal que me resta
Pra mim não há melhor festa,
Nem mais nada acho bonito.
- Cafés da minha preguiça,
Sois hoje, que galardão!-
Todo o meu tempo de acção
E toda a minha cobiça.
Mário de Sá-Carneiro
(1890-1916)
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