segunda-feira, julho 05, 2010

Aquele morreu amando. Para Drummond, ele morreu completo, no êxtase de estar no mundo e extramundo.


Morto vivendo


Aquele morreu amando.
Nem sentiu chegar a morte
quando à vida se abraçava
nem a morte o castigou.
Enquanto beijava o amor
a morte o foi transportando
nos braços do amor gozoso
sem desatar-se a cadeia
de vida enganchada em vida.
Aquele morreu? Quem sabe
o que foi feito do amante
alçado em coche de chamas
ou carruagem de cinzas
no ato pleno de amar?
Não corrigiu a postura,
não voltou aos intervalos
de solitude na espera,
não repetiu mais os gestos
fora do rito amoroso.
Morreu completo, no êxtase
de estar no mundo e extramundo.
Que sabe a morte do abraço
paralizado na luz
do quarto aberto ao amor
e defeso a tudo mais?
E se continua vivo
e mais do que vivo amando
sem paredes e sem ossos
nos vazios espaciais,
não sei como, não sei quem?

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

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