quinta-feira, abril 29, 2010
A natureza nos separou, somente o sobrenatural poderá nos unir. O amor sem consolo de Murilo Mendes por sua Berenice.
O amor sem consolo
Não quero me livrar de ti
Só não te perdôo porque não me dás a amargura absoluta
Não tens o poder de me extinguir com um gesto, um olhar
E a minha esperança e o meu desespero
Não estão fundados em ti.
Antes de eu te conhecer Deus já me havia marcado
Não és meu punhal nem meu bálsamo
Não sou mais que um rejeitado de Deus, de ti - e de mim.
Talvez eu ame em ti o que tens parecido comigo.
Berenice, Berenice,
Existes realmente? És uma criação da minha insônia, da minha febre,
Ou a criadora da minha insônia, da minha febre?
Berenice, Berenice,
Por que não terminas tua crueldade, dando-me a palavra de vida,
Ou por que não começas tua ternura, impelindo-me ao suicídio?
Minha amiga cruel e necessária, Berenice,
Deixa-me descansar a cabeça no teu seio
E sonhar um instante que não existo,
Que não existes, que não existe Deus,
Nem o mundo, nem o demônio, nem a vida, nem a morte.
Eu te acompanho em teus anseios e em teu tédio.
Eu te olho com o olhar de quem herdou a solidão
Porque nunca estás em mim e comigo.
A natureza nos separou
Somente o sobrenatural poderá nos unir.
Murilo Mendes
(1901-1975)
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Um comentário:
Que versos fortes, sangrentos, avermelhados como uma saudade que adoece!
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