segunda-feira, novembro 05, 2007

No encontro entre Narciso e Narciso, diz Ferreira Gullar, a mentira inventa o paraíso. E o inferno de Narciso é ver que o admiravam de mentira.


Narciso e Narciso

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.

Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.

Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.

O espelho
embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.

Ferreira Gullar

Mais sobre Ferreira Gullar em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar

Um comentário:

Camila... disse...

Hola, tudo bem? Conheci o seu blog no orkut, gostei muito. Add você ao meu blog, espero que não se importe.

Um abraço e parabéns, adoro grande parte dos poemas postados, acompanho sempre.